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Decodificação

Autor: Carla Viana Coscarelli,

Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG / Faculdade de Letras,

A decodificação é o processo no qual o leitor transforma as retas e curvas que compõem as letras em sons oralizados ou numa imagem mental do som. Essa operação seria simples se cada letra fosse pronunciada sempre da mesma forma. No entanto, essa relação não biunívoca entre sons e letras torna a decodificação um processo complexo, no qual B + A, por exemplo, nem sempre é BA, pode ser BÃ.

No caso da palavra “banana”, por exemplo, temos três ocorrências da letra A, mas em cada uma delas essa letra representa um som diferente (em algumas variantes do português os sons são: [a], [ã], /Ә/, respectivamente, e em outras /ã/, /’ã/, /Ә/).

Algumas letras representam diversos sons, alguns sons são representados por diferentes letras e há, inclusive, casos de letras que não representam sons em alguns contextos (ex.: “h” em início de palavra) e sons que não são representados (ex.: a nasalização do “i” em muito).

A decodificação pressupõe saber que a escrita representa os sons da língua e não as ideias, como acontece nos sistemas de escrita iconográficos ou ideográficos. Em um estágio anterior a esse, as crianças podem, por exemplo, associar o tamanho da palavra com o tamanho da coisa representada. Sendo assim, a palavra “boi” representaria uma coisa pequena ao passo que “formiguinha”, por ser uma palavra grande, representaria uma coisa grande -  concepção ou hipótese chamada de realismo nominal por estudiosos da psicogênese da aquisição da escrita.

No início da alfabetização é comum o aprendiz confundir letras, bem como sons que elas representam, trocar a posição das letras e ler em ordem invertida, soletrar sem conseguir formar sílabas ou palavras, não reconhecer a relação entre as letras e o som, não conseguir identificar as palavras ou expressões.

As operações envolvidas em reconhecer as letras e seus sons naquele contexto fonológico, compor a sílaba e identificar a palavra ou expressão acontecem recursivamente ao longo do texto, cujo processamento mais global, ou seja, de parágrafos ou trechos maiores, interfere no processamento mais local, ou seja, no reconhecimento das letras, sons, sílabas e palavras, gerando um ciclo em que o significado do todo colabora para a identificação das partes e as partes, por sua vez, desempenham também um papel fundamental para a construção do todo.

Desde a alfabetização, uma leitura fluente depende de uma decodificação bem feita. Isso não significa que o leitor precise decompor, uma por uma, as palavras em sílabas e as sílabas em letras. Uma leitura assim demandaria muito tempo de processamento e prejudicaria a construção do sentido. A fluência da leitura depende de uma decodificação rápida e precisa, em que o leitor reconhece palavras e expressões como um todo, sem precisar identificar conscientemente cada uma das suas partes. Essa decodificação rápida é crucial, uma vez que libera mais recursos cognitivos do leitor para a construção de sentidos do texto e para utilização de outras estratégias de leitura que ampliarão seus níveis de proficiência.


Verbetes associados: Alfabetização, Consciência fonológica, Correspondência grafofonêmica, Leitor proficiente, Leitura , Realismo nominal , Sentido, significado e significação


Referências bibliográficas:
CAPOVILLA, A. G. S.; GÜTSCHOW, C. R. D.; CAPOVILLA, F. C. Habilidades cognitivas que predizem competência de leitura e escrita. Psicologia: Teoria e Prática, v. 6, n. 2, p. 13-26, 2005.
FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.
PERFETTI, C. A. A capacidade para a leitura. In: STERNBERG, R. (Org.). As capacidades intelectuais humanas: uma abordagem em processamento de informações. Porto Alegre: Artes Médicas. 1992.
SALLES, J.F.; PARENTE, M. A. M. P. Processos cognitivos na leitura de palavras em crianças: relações com compreensão e tempo de leitura. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 15, n. 2, p. 321-331, 2002.

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