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Dialeto

Autor: Marcos Bagno,

Instituição: Universidade de Brasília-UnB,

O termo dialeto surgiu na Grécia antiga, onde a língua grega apresentava diferenças bem marcadas de uma região para outra. A princípio, então, dialeto era um rótulo simplesmente descritivo, aplicado à variação linguística regional: falava-se do dialeto ático, jônico, dórico etc. Mais tarde, porém, quando, por desdobramentos históricos, um desses dialetos foi escolhido para se tornar a base de um modelo de língua grega que deveria ser difundido e ensinado, o termo dialeto passou a ser usado depreciativamente, como um modo de falar “inferior”, “errado”, fazendo surgir uma oposição língua/dialeto. Mais tarde ainda, no período colonial, as línguas dos povos americanos e africanos foram designadas como “dialetos” porque eram consideradas “primitivas” e “deficientes” em comparação às línguas dos europeus, brancos, “civilizados”. Mas no processo de formação das próprias nações europeias, a suposta diferença entre língua e dialeto serviu de instrumento para a imposição de uma variedade linguística sobre as outras.

Em Portugal, a base da língua oficial, literária, é o dialeto de Lisboa desde que a capital foi transferida de Coimbra para lá, em 1385: assim, o que antes era uma variedade típica de um lugar passou a ser designada com o nome do próprio povo, português. A língua espanhola oficial até hoje é chamada de castelhano, porque foi a variedade falada na região de Castela que se tornou dominante quando a Espanha se tornou uma nação unificada, depois da expulsão dos árabes de seu território. E o que se chama italiano é, de fato, a língua falada na Toscana, que foi escolhida para ser a língua oficial da Itália depois da unificação do país, em 1861. É por isso que se costuma dizer que “uma língua é um dialeto com exército e marinha”, ou seja, o rótulo de língua é atribuído à variedade local que, por razões exclusivamente históricas, conseguiu se tornar idioma nacional, oficial.

No século XIX, motivados pelos ideais do Romantismo, que viam a zona rural como lugar de preservação da cultura e dos valores “autênticos” da nação, muitos estudiosos se dedicaram à pesquisa dos dialetos regionais de seus países. Para escapar desses sentidos tradicionais, pejorativos ou idealizados, a sociolinguística contemporânea evita o uso de dialeto, dando preferência ao termo variedade. A vantagem de variedade é que a palavra pode se referir a um espectro muito mais amplo do que dialeto: além de designar um modo característico de falar a língua em dada região, ela também se aplica aos usos característicos de diferentes classes sociais, etnias, categorias profissionais, faixas etárias etc., segundo o interesse do pesquisador. Quanto mais variáveis sociais incluímos na pesquisa sociolinguística, mais profundamente conhecemos uma variedade linguística.

Uma pedagogia linguística democrática é aquela que concilia o ensino-aprendizagem da escrita e dos gêneros discursivos associados a ela, sobretudo os literários, com o respeito e a valorização das múltiplas variedades sociais, reconhecendo-as como parte inseparável da identidade individual e como patrimônio cultural das comunidades que as empregam.


Verbetes associados: Língua, , Variação línguística


Referências bibliográficas:
BAGNO, M. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola, 2007.
COULMAS, F. Escrita e sociedade. São Paulo: Parábola, 2014.
HAUGEN, E. Língua, dialeto, nação, in BAGNO, M. (org.). Norma linguística. São Paulo: Loyola, 2001.
SILVA, R. V. M. O português são dois...: novas fronteiras, velhos problemas. São Paulo: Parábola, 2004.

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