A surdez como condição natural

Ceale Debate do mês de abril discutiu as formas de aprendizagem e o processo de alfabetização de crianças surdas


     

Acontece • Quinta-feira, 14 de Maio de 2015, 14:47:00

Por Raquel Ramalho

Antes de iniciar sua exposição, a palestrante Terezinha Cristina da Costa Rocha, professora da Faculdade de Educação da UFMG e pesquisadora do Ceale, faz um sinal em Libras do qual promete, ou melhor, cogita revelar o significado, ao final do debate, para aqueles que não entendem a língua. Assim teve início o Ceale Debate do mês de abril, sobre o tema "Uma escola, duas línguas: Libras e Língua Portuguesa nos processos de alfabetização e letramento de crianças surdas”. O evento recebeu cerca de 150 pessoas, entre estudantes de Pedagogia, Letras e professores da rede pública que já tiveram experiências com a alfabetização de crianças surdas.

Na palestra, Terezinha frisou o que deve ser, para ela, a base da educação de pessoas surdas: a perspectiva de que a Língua Portuguesa deve ser ensinada como segunda língua, enfatizando a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como língua materna. “A comunidade surda não quer a educação inclusiva, pois ela muitas vezes acaba sendo excludente. O surdo quer a educação bilíngue”.

Essa proposta, segundo Terezinha, seria desenvolvida a partir de um projeto político-pedagógico em que estudantes surdos seriam letrados e alfabetizados em escolas com as condições adequadas para esse ensino. Nelas, haveria professores capacitados para a alfabetização em Libras – de preferência surdos, que dominem Língua Portuguesa, mas adotem a Libras como primeira língua. Porém, Terezinha observa, esse cenário ideal só pode ser alcançado como fruto de uma política pública ampla, que envolva toda a escola e pessoas engajadas para a sua consolidação.

Terezinha destacou o fato de que entre 90% e 95% das crianças surdas nascem de pais ouvintes, o que torna trabalhosos os primeiros aprendizados da criança, já que a maioria dos pais não sabe lidar com a a condição, tratando-a clinicamente e "não vendo a surdez com naturalidade", como destacou a palestrante. Para ilustrar seu argumento, Terezinha exibiu um vídeo em que um pai surdo conversa com sua filha surda por meio de sinais, mostrando a naturalidade daquele diálogo familiar. 

No final de sua apresentação, Terezinha analisou materiais didáticos e políticas inclusivas, como o PNLD Libras, voltados para a educação de surdos, mas que muitas vezes desconsideravam sua condição de lidar com o mundo e aprender principalmente pela visualidade.

Ao ter início o debate, tiveram destaque questões sobre o papel do intérprete de Libras na sala de aula (que muitas vezes acaba substituindo a interação fundamental entre professores e aluno) e sobre a participação de pessoas surdas na elaboração de materiais didáticos voltados para esses sujeitos.

Quanto Terezinha já se despedia, uma participante da plateia pediu a ela que revelasse o significado de seu sinal de apresentação. Terezinha, aos risos, explicou que na adolescência conversava muito em sua escola com um adulto surdo, que um dia notou que ela tinha um piercing na língua e se assustou. A partir de então, o sinal que ele fez naquele momento era repetido todas as vezes que ele a via. Assim, aquele se tornou o sinal de identificação de Terezinha na língua de sinais. Em uma tradução bem literal ao português: "brinco na língua", finalizou a palestrante.

Confira aqui o vídeo da palestra, com tradução simultânea para Libras