Fim de um ciclo

PNAIC encerra seus encontros presenciais com o desejo dos formadores de que a parceria com os municípios permaneça


     

Acontece • Quinta-feira, 17 de Maio de 2018, 13:40:00

Nos dias 15 e 16 de maio, a Faculdade de Educação da UFMG recebeu o segundo encontro presencial de 2018 das formadoras e formadores do 1º ao 3º ano do Ensino Fundamental e do Programa Novo Mais Educação (PNME) de Minas Gerais. Com o tema geral “Produção escrita: trabalhando com gêneros textuais”, os dois dias contaram a presença de palestrantes que abordaram recortes específicos dessa questão e responderam a dúvidas que surgiram. À tarde, aconteceram as atividades de formação em salas de aula da FaE.

O primeiro dia começou com a abertura da professora da FaE Valéria Resende, que lamentou o fim do programa e questionou as ações do atual governo. Em seguida, a ilustradora e autora de livros infantis Marilda castanha apresentou para os participantes seu processo de produção e suas fontes de inspiração. Ela, que deu cor a livros de diversos autores, além de muitos de autoria própria, demonstrou a relação entre o texto e as imagens em suas produções e relatou que a origem de suas ilustrações muitas vezes se dá no caos ou no vazio e exemplificou essa situação a partir de livros como ‘Em Asas de Algodão’. Segundo ela, esse livro nasceu de um método ensinado por um professor mexicano, onde a partir de uma ideia concreta de cidades, desenvolveu uma declaração do que seriam essas cidades. Depois sintetizou esse conceito na palavra ‘loucura’ e, com base nisso, criou uma ilustração. Com esse desenho inicial, ela enfim visualizou a construção do livro.

A ilustradora a autora de livros infantis Marilda Castanha (direita) expôs seu processo criativo

Marilda disse que a ilustração não deve servir de muletas para a obra, mas deve ser usada de forma que exista um equilíbrio entre a imagem e a palavra. Ao expor seu processo de criação, ela também mostrou como, a partir de uma situação vivida, pôde focar em um aspecto que considerava importante e usá-lo como fonte de inspiração para sua criação. No seu livro ‘A Quatro Mãos’, ela faz uma homenagem a seu pai evitando um olhar memorialístico e focando nas mãos dos personagens e seu significado ao longo da história. Assim, ela concluiu dizendo que o que a conduziu nessa obra foi o que ela viveu, junto com o sentimento e a necessidade de registrar a sua história, sua “passagem”, através da ilustração.

 

Olhares sobre a BNCC

A palestrante do dia foi a professora da FaE e pesquisadora do Ceale Isabel Cristina da Silva Frade, que trouxe como “pauta” o documento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Em sua fala, ela fez uma ligação entre o seu conteúdo e a temática do encontro, partindo da apresentação de um olhar geral sobre o texto da BNCC, passando por discussões políticas e de concepção dele e finalmente focalizando na questão da alfabetização e da Língua Portuguesa. Segundo ela, apesar de ser um documento de conhecimento público e muito abordado nas redes de ensino por conta do prazo de sua aplicação, não significa que não possam existir críticas e pontos de tensão a serem discutidos e ações posteriores a serem pensadas. Entretanto, assinalou que, mesmo com os desafios, ela não vê a BNCC como uma descontinuidade das questões que já são enfrentadas pelos professores na alfabetização.

A professora Isabel Frade participou da elaboração da BNCC

Isabel também falou sobre outros aspectos, incluindo o de que, embora na resolução do Conselho Nacional de Educação se tenha o alinhamento da BNCC com a formação de professores, com os materiais didáticos e com a avaliação, é necessário se perguntar até onde esse alinhamento é necessário e possível. A professora também disse que não é bom que se tenha um ajustamento tão forte de maneira que tudo funcione a partir da BNCC, porque ele é um documento que, mesmo sendo fruto de um certo acordo, não representa tudo o que pode ser feito na educação brasileira. Ao abordar certas partes do conteúdo, ela também mostrou que existem flutuações em certos termos adotados e que algumas terminologias podem confundir. Ainda disse que alguns objetivos são muito gerais e que às vezes são difíceis de encaixar concretamente. Isabel terminou falando da noção de alfabetização contida na BNCC e salientando sua definição restritiva.

 

Produção de textos

No segundo dia, as palestras programadas para o dia focaram na temática da produção textual. A primeira foi ministrada pela professora da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) Cancionila Janzkovski Cardoso, e tinha a seguinte temática: “Produção de textos em espaços escolares e não-escolares: uma perspectiva interacionista sociodiscursiva”.

A professora Cancionila Cardoso (em pé) discutiu aspectos da produção textual nos anos iniciais

Cancionila iniciou a reflexão partindo da visão de alguns renomados autores no campo da linguagem, como Mikhail Bakhtin e Bernard Schneuwly. Ela usou alguns conceitos como a noção de discurso e polifonia de Bakhtin, e, principalmente, os estudos de dicotomia da linguagem - oral e escrita - de Schneuwly, para entender os funcionamentos da linguagem e como aplicá-los no ensino de produção de texto para os alunos. A professora falou, ainda, sobre o que seriam os três níveis constituintes da linguagem: criação da base de orientação, gestão textual e linearização. Segundo ela, os três funcionam como engrenagens operando juntos. A criação de base seria a respeito da interação e contexto em que a produção do texto estaria inserido. A gestão textual sobre planejamento prévio do texto, tanto na oralidade quanto na escrita, e a linearização diz respeito à construção do texto, que ela chama como “definição do tecido”.

Para explicar melhor sobre os níveis, a professora fez a análise de alguns textos de duas crianças: Lucas, que participou de sua pesquisa quando tinha 10 anos, e sua neta Angélica. Ela mostrou, principalmente, como a interação interfere na produção. O texto muda bastante, por exemplo, quando é feito de forma espontânea para alguém que a criança possui afeto, diferindo de um texto narrativo produzido no contexto escolar com instruções do livro didático. Cancionila concluiu chamando atenção para a necessidade de apurar o olhar para a produção da criança. “Onde foi produzido? Para que? Para quem?” são algumas perguntas que ela afirma serem necessárias na hora de analisar um texto.

 

Revisão textual

A palestra seguinte foi ministrada pela professora da Faculdade de Letras da UFMG Maria da Graça Costa Val, que é também pesquisadora do Ceale. O tema foi “Produção e revisão textual: trabalhando com gêneros textuais na alfabetização”, sendo abordado principalmente a questão da revisão. A palestrante iniciou a fala comentando sobre como as palestras estavam bem “amarradas”, partindo de ideias bem parecidas. Após esse comentário, a professora seguiu afirmando que a produção de texto envolve elaboração mental e exige atenção. Ela introduziu, ainda, o que seriam para ela os níveis de organização da linguagem, que são bem parecidos com os níveis constituintes apresentados por Cancionila: discursivo, textual e linguísticos.

A professora Maria da Graça Costa Val (direita) foi a segunda palestrante do dia

Quanto à revisão, a professora enfatizou que revisar e reescrever não deve ser o mesmo que “passar a limpo”, é necessário que haja um motivo. Ela apresentou as modalidades de revisão: com orientação do(a) professor(a) (com graus de autonomia do aluno), revisão feita por outro colega e revisão feita em coletivo. Apesar de só uma modalidade da revisão acontecer diretamente com o(a) professor(a), Maria da Graça frisou que todas elas devem ter a orientação. Na revisão feita por outro aluno que não o produtor do texto, a professora indica que a orientação deve partir do ponto que os alunos se sentem envergonhados de “criticar” o texto do colega, logo o(a) professor(a) deve ajudá-los nesse sentido.

Maria da Graça pontua, também, como deve ser feita a revisão pelo professor, não devendo somente riscar e corrigir os erros do aluno. Ao invés disso, deve-se apontar o erro para que a criança, além de saber que errou, possa saber onde e por que, para, dessa forma, conseguir aprender. Para além dos erros ortográficos, deve-se trabalhar erros de coesão e de construção do texto por si só. Uma técnica é fazer perguntas ao longo do texto para a criança se orientar. Por exemplo, se um personagem surge de repente na narrativa, é bom perguntar quem é aquele personagem ou o que a criança quis dizer. Por fim, a professora finaliza dizendo que é importante revisar o que for mais importante para o desenvolvimento do aluno especificamente.

Ao fim das palestras foi aberta a oportunidade para que fossem feitas perguntas às pesquisadoras. A formadora Renata, de Belo Horizonte, perguntou: “como individualizar a revisão e o ensino da produção em uma sala mais cheia?” As palestrantes responderam dizendo que antes é necessário reconhecer a dificuldade da maioria da turma. Maria da Graça Costa Val disse, ainda, que, ao longo das produções de texto, dificuldades diferentes podem ser abordadas. Por exemplo, na primeira produção feita no ano, muitos alunos apresentaram dificuldade com coesão, logo deve-se trabalhar mais a respeito nesse período e assim vai.

O último encontro terminou com agradecimentos e palmas para as formadoras e também à equipe do PNAIC. A diretora do Ceale, Valéria Barbosa de Resende, agradecendo a todos, disse ainda que espera que a parceria com os outros municípios permaneça mesmo após o fim dos encontros. Por fim, foram lidos poemas sobre o PNAIC produzidos por professores em edições anteriores.