História da literatura infantil no Brasil

Uma trajetória de mais de um século, que vai das traduções e adaptações estrangeiras a obras brasileiras internacionalmente reconhecidas


     

Letra A • Quarta-feira, 20 de Abril de 2016, 16:18:00

Por Natália Vieira

O ano de 1894, quando foi realizada a primeira eleição presidencial direta no Brasil, pode também ser lembrado como o marco inicial da produção brasileira de livros para crianças. Naquele ano, Figueiredo Pimentel lança, pela Livraria Quaresma, os Contos da Carochinha, obra que divulga histórias de Charles Perrault, irmãos Grimm e Hans C. Andersen. A publicação de Pimentel é considerada por muitos o primeiro projeto voltado para o segmento desenvolvido no país com uma prática editorial moderna. Segundo Regina Zilberman, professora de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), trata-se de uma obra dirigida para o público infantil que traz a novidade de não ser necessariamente vinculada ao contexto escolar.

Em toda reconstituição de uma história, no entanto, o início pode ser outro. É o que pondera Marisa Lajolo, professora das universidades Mackenzie e Unicamp. Segundo ela, é sabido que, um pouco antes da publicação dos Contos da Carochinha, o educador Carlos Jansen se dedicou a traduzir e adaptar clássicos europeus para o público brasileiro. Na virada do século, a produção no Brasil continuou sendo, em sua maioria, de traduções e adaptações, mas já havia uma preocupação em promover uma literatura voltada para questões nacionais e com finalidade educativa. Um dos grandes difusores dessa tendência foi Olavo Bilac, que, entre as obras voltadas para crianças, publicou Poesias Infantis, em 1904.

“Essa literatura era eminentemente didática, e veiculava, na verdade, o sentimento que a sociedade e a família tinham em relação à função da literatura infantil”, aponta a professora de Letras da Universidade Estadual de Maringá (UEM) Alice Áurea Martha Penteado. A literatura infantil começa a ser produzida na Europa no século 17, período em que a classe burguesa ascendia, e em muito serviu, explica Alice Áurea, “como veículo para as ideias burguesas e para o ensino das crianças” – algo que, séculos depois, também ocorreu no Brasil.

 

Lobato, mas não só ele

Em 1921, Monteiro Lobato publica Narizinho Arrebitado e distribui exemplares da obra para escolas públicas do estado de São Paulo. O escritor dedicou especial atenção ao segmento infantil, atuando tanto na escrita de histórias como na fundação de editoras. Sua importância para a literatura infantil é evidente: “até hoje, nós temos os seguidores de Lobato, que são aqueles que entenderam, como Lobato entendeu, que a literatura para crianças não deve ser educativa, moralizadora, mas uma produção para o encantamento”, afirma Alice Áurea.

Mas, se na década de 1920 Lobato se destaca, nos anos 1930 surgem novos autores, como Viriato Correia, Cecília Meireles e tantos outros que escreveram poemas e histórias infantis, dando início a uma fase fértil de produção genuinamente brasileira. A literatura infantil brasileira dessa época tinha “uma preocupação de valorizar o folclore nacional, a cultura brasileira, e está muito próxima dos ideais do modernismo”, afirma a professora Regina Zilberman.

 

Do rural ao urbano

Nos anos 1940 e 1950, o novo desafio era manter uma continuidade na produção de livros e construir um público cativo. As editoras e os escritores estavam se profissionalizando, e a produção se tornou mais intensa. Para ampliar essa produção, as editoras optaram pela solução considerada mais prática, voltando a investir em traduções e adaptações. O Brasil estava deixando de ser um país rural, porém havia os defensores da agricultura como sustentadora da economia do país, e isso se refletiu nas muitas histórias infantis ambientadas em sítios e fazendas e, especialmente, sobre o café.

Com a decadência dessa política econômica, foi inevitável que a temática centrada no rural deixasse de ser explorada e, a partir da década de 60, as histórias ganham as cidades. Segundo Zilberman, a literatura infantil assume nessa época uma temática urbana e passa a valorizar elementos políticos, dando destaque à sua condição emancipadora. Escritores renomados como Mário Quintana, Vinícius de Morais e Clarice Lispector se interessam por escrever para o público infantil, e, na década seguinte, despontam outros grandes nomes, como Ziraldo, Ana Maria Machado e Ruth Rocha.

 

De 1980 para cá

Fazendo um balanço dos últimos trinta anos, Marisa Lajolo destaca “a presença de temática e linguagem bastante articuladas com a contemporaneidade e um espetacular desenvolvimento da dimensão visual dos livros.” Quanto a isso, a professora ainda ressalta: “Não por acaso, o Brasil por três vezes recebeu o maior prêmio internacional para o gênero: Lygia Bojunga Nunes, Ana Maria Machado e Roger Melo foram contemplados com o prêmio Hans Christian Andersen. Não é pouco!”.

Sobre o momento atual, Regina Zilberman afirma: “a literatura infantil tem resolvido bem, até melhor que outras formas de linguagem verbal, a relação com os novos suportes. De um lado, ela pode circular em associação com outras mídias de comunicação de massa, como o cinema e o game, e de outra parte, ela se ajusta com muita facilidade à produção digital, melhor do que qualquer outro gênero literário.” Por tudo isso, Zilberman acredita que o segmento avança em “uma nova fronteira muito importante e promissora”.

 

SAIBA MAIS

Confira, no Portal do Ceale, as entrevistas que Alice Áurea Martha Penteado, Marisa Lajolo e Regina Zilberman concederam para essa reportagem: www.ceale.fae.ufmg.br/historia-da-literatura-infantil-entrevistas