VII Colóquio Internacional sobre Letramento e Cultura Escrita é marcado por diversidade de perspectivas

Evento ocorreu na Faculdade de Educação da UFMG na primeira semana de agosto


     

Acontece • Segunda-feira, 19 de Agosto de 2019, 13:36:00

 
Durante os dias 31 de julho, 1 e 2 de agosto, a Faculdade de Educação (FaE) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) recebeu o VII Colóquio Internacional sobre Letramento e Cultura Escrita. Nesta edição do evento, o tema Leitura e Escrita como Prática Social propôs o debate sobre a importância das discussões sobre o letramento em grupos e culturas diversas, através de dimensões políticas, históricas e sociais em âmbito nacional e internacional.
 
Na abertura do VII Colóquio, no dia 31, destacou-se a relevância do evento e a necessidade para que sua tradição seja mantida, principalmente por sua contribuição para a educação. Uma homenagem ao professor alemão de semiótica e educação Gunther Kress, que faleceu no último mês, enfatizou a colaboração que Gunther deixou para os estudos do letramento ao afirmá-lo como uma importante prática social e que sempre deve estar em contato com outras áreas.
 
Mesa de abertura do VII Colóquio Internacional sobre Letramento e Cultura Escrita
 
A primeira mesa do evento, coordenada pela diretora do Ceale, Francisca Maciel, discutiu “Letramentos e Políticas Internacionais” e contou com a presença de Uta Papen, professora da Lancaster University, Cláudia Lemos Vóvio, professora da Universidade Federal de São Paulo e Judith L. Green, professora da University of California. Nos principais pontos debatidos, Uta Papen apresentou um panorama sobre as políticas de letramento na Inglaterra. Em sua fala, a docente destacou a presença de um forte discurso político de legitimação dos estudos e ensino da fonética em seu país, contando com o estímulo governamental para a disseminação de materiais didáticos sobre o assunto. Apesar disso, a pesquisa sobre letramento, segundo Uta, não possui o destaque necessário em alguns pontos, mesmo com diversos estudos sendo realizados. 
 
Em seguida, a mesa contou a fala de Cláudia Lemos sobre a relação entre letramentos e a participação social, enfatizando o histórico e eixos principais de discussão dessa associação. A professora ressaltou a importância do reconhecimento das mudanças políticas que atingem o letramento para a compreensão sobre quais letramentos a escola tem se preocupado e quais são necessários maior atenção, sempre considerando o contexto em que essas aplicações estão inseridas.
 
 
A primeira mesa do evento teve a presença das professoras Uta Papen, Cláudia Vóvio e Judith Green
 
Judith L. Green, encerrando a mesa, retratou o cenário educacional na Califórnia após alterações em políticas de educação que propuseram mudanças da educação bilíngue para a monolíngue. Para Judith, há um estreitamento evidente de oportunidades e práticas sociais decorridas da preferência do inglês em vez do inglês-espanhol em escolas no Estado da Califórnia. Esses programas, segundo a docente, restringem o aprendizado de alunos e não promovem a valorização de outras línguas como formas de ensino e de comunicação.
 
Assista aqui às atividades da manhã do dia 31 de julho. 
 
Letramento desde a infância e como ferramenta de inclusão
 
A segunda mesa do dia, com o tema “Trajetórias de letramento em diferentes esferas sociais”, as professoras Laurie Katz, da Ohio State University, Vanessa Neves, da UFMG, Giselli Silva, da UFMG, e Izabel Magalhães, da Universidade Federal de Goiás (UFG) e da Universidade de Brasília (UnB). Laurie e Vanessa apresentaram discussões resultantes de um trabalho de pesquisa que vêm realizando juntas com foco no letramento de crianças no início da infância. Laurie explicou que elas partem de uma perspectiva etnográfica, estudando e conhecendo ações a partir de seus “aspectos culturais”. 
 
O trabalho consistiu em acompanhar atividades de letramento em uma EMEI, fazendo observações e coletando dados, com o objetivo de observar e entender como bebês e crianças fazem conexões para criar sentido, como constroem sua subjetividade e os processos pelos quais passam ao se reconhecerem a fazerem sentido. Um dos eventos que chamou a atenção das pesquisadoras foi a interação de uma aluna de 1 ano e 8 meses, que, ao sentir falta de uma professora, começou a chorar. Uma das pesquisadoras, então, a pegou no colo e colocou seu notebook na frente da criança ajudando-a e escrever, o que a fez acalmar aos poucos. O argumento das pesquisadoras é de que abraçar e ajudar a criança a escrever ajudou ela a estar ciente de suas emoções, em uma espécie de elaboração.
 
 
A segunda mesa do dia discutiu práticas de letramento no contexto do início da infância e da educação inclusiva 
 
Em seguida, Giselli Silva discutiu as práticas de leitura e escrita no bilinguismo de surdos. Para pensar sobre o bilinguismo de surdos, a pesquisadora explicou que adota uma visão holística, pensando no domínio de duas línguas como um sistema integrado no qual as línguas interagem, e menos como duas línguas separadas. Para a Giselli, os surdos são potencialmente bilíngues, devido a terem contato com língua de sinais e língua falada de seu país. No entanto, a pesquisadora pontua que para pessoas surdas ainda há dificuldade de acesso às línguas de seu país e uma falta de diversidade de experiências as quais eles são expostos. Apesar de as novas tecnologias terem trazido novas possibilidades, pesquisadores e professores vêm pensando em como fazer relações no contexto de sala de aula entre língua de sinais e língua falada, considerando “a necessidade do trânsito constante entre as duas línguas”, afirma Giselli.
 
O trabalho apresentado pela professora Izabel Magalhães também teve foco na educação inclusiva. Izabel apresentou uma pesquisa que vem analisando políticas públicas referentes à política linguística educacional, focando em mudanças políticas recentes no contexto brasileiro no atendimento educacional a pessoas com deficiência. Izabel apresentou como marco a lei 186, que determina a obrigatoriedade da inclusão de pessoas com deficiência no ensino regular. A professora afirmou que, de acordo com o MEC, de 1998 a 2006, a matrícula de pessoas com deficiência no ensino regular cresceu 604%. “O que significa 325.313 estudantes com deficiência a demandar atendimento especializado, como salas multifuncionais, docentes de libras e braille, tecnologias assistivas”, explica Izabel. No entanto, apesar dos números, Izabel afirma que quase não há contato entre educação especial e ensino regular.
 
Assista à mesa da tarde aqui.       
 
Mulheres escritoras
 
A primeira mesa do segundo dia foi marcada por falas femininas. Com o tema “Mulheres e cultura escrita em uma perspectiva histórica”, as professoras Andrea Ferreira, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Silvia Rachi, da PUC-Minas, e Mônica Jinzenji, da UFMG, trouxeram pesquisas sobre a relação de mulheres em diferentes períodos com a escrita. 
 
 
Mesa da manhâ do segundo dia teve como temática "Mulheres e cultura escrita em uma perspectiva histórica"
 
Andrea Ferreira discutiu os resultados parciais de sua pesquisa sobre histórias de professoras alfabetizadoras entre 1980 e 2018, focando nas relações entre suas trajetórias individuais e as políticas públicas existentes na época estudada. “O que leva [os] professores a terem determinadas práticas e a quererem ser bons professores?”: a partir dessa reflexão, Andrea refletiu sobre como são construídas relações com a leitura pessoal e profissional em diferentes trajetórias e o que pode contribuir para que, apesar dos condicionamentos sociais, indivíduos busquem participar da cultura escrita e serem profissionais do ensino da escrita e leitura. A pesquisadora analisou duas professoras nascidas nos anos 1980, em Minas Gerais e Pernambuco, através de depoimentos orais, fotos e documentos. 
 
Em seguida, a professora Silvia Rachi discutiu sua pesquisa, que analisou testamentos de mulheres da comarca de Sabará (MG), no século XVIII, com a tese de que, apesar de não saberem escrever, estavam inseridas na cultura escrita. Silvia argumentou que ao redigirem seu testamento com mediadores, essas mulheres estavam inseridas na cultura escrita, pois quem dita, “redige”, o que percebeu-se ao analisar que as mulheres tinham consciência de “convenções textuais”, como pontuação. 
 
Na terceira fala da mesa, a professora Mônica Jinzenji discutiu as atuações na imprensa por parte de mulheres no Brasil no século XIX, focando na produção de jornais. Mônica explicou que a história da imprensa do Brasil tem início em 1808, mas foi a partir de 1850 que começaram a existir jornais redigidos e dirigidos por mulheres. A professora citou como mulheres que se destacaram na imprensa Nísia Floresta Brasileira Augusta, Beatriz Francisca de Assis Brandão, Policena Tertuliana de Oliveira e Francisca Senhorinha da Motta Diniz. 
 
Assista aqui à mesa "Mulheres e cultura escrita em uma perspectiva histórica". 
 
Letramento na construção de identidades
 
À tarde, a quarta mesa, “Letramentos, Comunidades e Identidades”, foi coordenada por Juliana Santos, do Instituto Federal de Minas Gerais, com a presença da professora Ana Lúcia Souza, da Universidade Federal da Bahia, da professora Désirée Motta-Roth, da Universidade Federal de Santa Maria e de Leandro Diniz, professor da Universidade Federal de Minas Gerais.
 
 
Mesa "Letramentos, Comunidades e Identidades"

 

Ana Lúcia, abrindo a mesa, abordou a associação entre linguagem e raça através de práticas educativas realizadas pela população negra como forma de emancipação e desenvolvimento de novas identidades. De acordo com a professora, essas práticas são encontradas em diversas manifestações exercidas por alunos, como o hip hop, poesias e saraus, por exemplo, e podem ser reconhecidas como agências de letramento. Ana Lúcia também pontuou que essas ações ainda recebem muita resistência no ambiente acadêmico por conta do desconhecimento que a universidade tem sobre essas práticas.
 
Logo após, letramentos e autoria em práticas acadêmicas foi a temática apresentada por Désirée Motta-Roth, que evidenciou a relevância da valorização do estudo e das práticas da escrita como um ponto crucial na sociedade. No contexto de produções acadêmicas, conforme a fala da professora, a autoria torna-se um elemento que acaba gerando dilemas e que a construção de contextos conjuntamente com a linguagem são essenciais para as práticas da escrita e neste âmbito. 
 
Finalizando a mesa, Leandro Diniz falou sobre os processos de inclusão e exclusão de grupos minoritários no ensino da Língua Portuguesa, demonstrando como essas práticas refletem em aspectos sociais para esses grupos, como refugiados, por exemplo. Apesar do discurso sobre a diversidade cultural e linguística no país, para o professor não há uma visibilidade garantida a pessoas que não possuem o português como língua materna, principalmente pela ausência de conhecimento intuitivo sobre a língua, dificultando ações e oportunidades a esses grupos. 
 
Assista aqui à mesa da tarde do dia 1º de agosto. 
 
Processos de letramento
 
O último dia do VII Colóquio teve a mesa com a temática “Práticas de linguagem e processos de letramento”. O professor David Bloome, da Ohio State University, abriu o dia apresentando um trabalho que vem realizando com seu grupo de pesquisa em conjunto com professores, chamado “‘Linguajando’ (languaging) letramentos acadêmicos e a constituição do sujeito”. Bloome examinou uma atividade em sala de aula para explorar o ‘languaging’ de letramentos acadêmicos, com o objetivo de redefinir e reconceitualizar o ensino e aprendizado de literatura, a elaboração de argumentação e a noção de racionalidade como são trabalhadas na escola.
 
 
Última mesa do VII Colóquio recebeu os professores David Bloome, Elizabeth Chilton, Gilcinei Carvalho e Carlos Novais
 
David fez distinção entre argumentar um com o outro e argumentar um contra o outro, deixando claro que o objetivo da pesquisa não era caminhar para um relativismo de “todos terem uma perspectiva e se respeitarem sem argumentarem e discutirem”, mas ter várias perspectivas e engajamento um com o outro, com mente aberta e buscando avançar como um grupo. Para ilustrar o que buscaram, David apresentou uma atividade de literatura realizada em uma sala de aula predominantemente branca, de comunidade politicamente e culturalmente conservadora. 
 
A atividade inicialmente foi ler o livro “O sol é para todos”, de Harper Lee, e depois discutir se o protagonista da história, um advogado branco (Atticus Finch) que defende um acusado negro em um estado marcadamente racista do sul dos Estados Unidos, era um herói, a partir das perspectivas de dois ensaios. Uma das alunas fala o seguinte: “eu nao sei, eu não sei com o que eu realmente concordo, porque ‘tipo’, por um lado, tipo…”. Outra aluna diz: “ummm, eu não sei, eu tenho que discordar com o fato de que…”. Bloome aponta que a segunda está argumentando de forma competitiva, pois já está indicando que vai escolher um lado e defendê-lo, como uma advogada, e a primeira está mais próxima da argumentação dialógica, que seria buscar ter uma mente aberta e refletir sobre várias perspectivas.
 
A segunda apresentação da mesa foi uma reflexão da professora Elizabeth Chilton, da University of Birmingham, sobre uma tarefa que teve que fazer para a universidade em que trabalha, analisando as práticas de letramento requeridas a partir de noções de tempo e espaço. A tarefa era gravar preparar gravar um vídeo de apresentação da disciplina que daria no próximo semestre, uma espécie de ‘propaganda’ para os alunos. O vídeo seria gravado com uma equipe da universidade, mas para isso a professora Elizabeth explicou que teve que trocar vários e-mails com a equipe, fazer o roteiro de sua fala, ouvi-la e reescrevê-la, para ajustar ao que desejava e então fazer a gravação. A professora discutiu então como os diferentes modos de tempo e espaço interferem no processo da realização do vídeo, que envolveu “três camadas de letramento”.
 
A terceira e última apresentação da mesa, dos professores da UFMG Gilcinei Carvalho e Carlos Novais, teve a temática “Identidades campesinas e práticas de letramento: a produção de vídeo por jovens em comunidades rurais”. Os professores da UFMG analisaram concepções de leitura e escrita no campo a partir de uma atividade realizada durante um projeto com alunos de comunidades rurais. Gilcinei explicou que o conceito de “letramento rural”, que costuma ser utilizado para descrever as práticas realizadas em escolas rurais, como é criado a partir da dimensão espacial, cria uma visão dicotômica entre “espaços urbano e rural”, sendo determinista e simplista. 
 
A atividade realizada e analisada com os alunos foi a produção de pautas, escrita de roteiros e gravação de vídeos, que contemplaram temáticas que tinham relação com a comunidade em que moravam. Para Gilcinei e Carlos, o que se notou foi muito mais uma tensão entre letramentos escolares e não escolares, do que “letramento rural/urbano” ao fim do trabalho.
 
Participante do VII Colóquio compartilha suas impressões sobre o evento

 

Após o encerramento da mesa, o VII Colóquio foi encerrado com falas de três participantes do evento que resumiram o que ocorreu nos três dias, apontando o que aproveitaram e aprenderam.
 
Assista aqui à última mesa e ao encerramento do VII Colóquio. 
 
 
Aula inaugural com Laurie Katz
 
No dia 6 de agosto, a professora Laurie Katz, que participou de uma das mesas do VII Colóquio, foi convidada a dar uma conferência como aula inaugural da Formação Transversal em Assessibilidade e Inclusão da UFMG. O tema abordado foi "Educação Inclusiva no contexto dos Estados Unidos: iniciativas atuais e lições aprendidas".
 
Assista aqui à conferência da professora na íntegra (em inglês).