Caligrafia
Autor: Diana Gonçalves Vidal,
Instituição: Universidade de São Paulo-USP / Faculdade de Educação/ História da Educação,
O dicionário Houaiss registra o aparecimento, em Língua Portuguesa, da palavra calligraphia em 1836. O mesmo dicionário sustenta que, já em 1569, o termo existia em francês e que etimologicamente recua à Grécia Antiga, na expressão kalligraphia. Márcia Almada sugere um uso ainda mais remoto da palavra em português, localizado no livro Eschola popular de primeiras letras, editado pela Real Imprensa da Universidade de Coimbra, em 1796.
Com o sentido de boa letra ou bom estilo, caligrafia pode significar arte ou ato da escrita. Na Idade Média, era uma arte, praticada no interior da Igreja pelos monges copistas, ou um ofício exercido por alunos das universidades ou por mestres escrivães-aritméticos. Ainda na atualidade, a caligrafia sobrevive como arte e atividade profissional de calígrafos. Seu desempenho exige uma formação específica, que é corroborada pela difusão de Manuais e Modelos Caligráficos, sendo os mais conhecidos: gótico alemão e inglês, ronde francês e cursivo inglês.
Na escola elementar, a caligrafia foi introduzida, de acordo com Jean Hébrard, pelos Irmãos das Escolas Cristãs, ao final do século XVII. Era uma estratégia para “levar à escola e, portanto, ao catecismo, as crianças dos meios populares urbanos influenciados pela propaganda da Reforma” ou descristianizados, oferecendo-lhes uma profissão. A princípio, apenas os alunos maiores aprendiam a escrever. Havia razões de ordem material para isso: a escrita era feita com pena de ganso, que exigia destreza no uso do canivete para seu aparo. O alto custo do papel tampouco permitia o desperdício.
A simultaneidade do ensino da escrita e da leitura seria possível apenas no início do século XIX, com a utilização das caixas de areia ou de lousas de ardósia. A escrita era feita com o dedo ou o giz, resultando uma letra rústica sobre uma superfície facilmente apagável. A invenção da pena metálica permitiu que a caligrafia fosse ensinada a alunos menores. No entanto, mantinha seu interesse profissional. Prescrevia-se o ensino do modelo inclinado (cursivo inglês), considerado mais apropriado ao registro comercial.
No começo do século XX, o discurso sobre o ensino escolar da caligrafia deslocou-se para o âmbito pedagógico. O modelo de letra vertical passou a ser recomendado, tanto por educadores quanto por médicos higienistas, como o mais adequado à saúde do aluno (corpo, caderno e letra direitos). Nos anos 1930, a caligrafia muscular emergiu como proposta de escrita mais adaptada à sociedade moderna. Visava a acelerar o ato de escrever, baseando-se na fisiologia do movimento da escrita. A despeito das ênfases, havia concorrência destes modelos no ensino, sustentada principalmente pela proliferação de cadernos de caligrafia, impressos por gráficas e editoras.
Nas décadas que se seguiram, o debate sobre os modelos caligráficos refluiu. O surgimento da caneta esferográfica nos anos 1930, a ampliação da indústria papeleira, aliados à difusão das máquinas de escrever e, posteriormente, dos teclados de computador e outros aparelhos eletrônicos alteraram as práticas de escrita. Como exercício de cópia, a caligrafia sobreviveria no ambiente escolar até praticamente o final do século XX, sendo cada vez mais desprestigiada. Simultaneamente, a defesa da boa escrita no discurso pedagógico foi se afastando da base material (a grafia) para significar somente o conteúdo estilístico, ortográfico e gramatical de um texto.
Verbetes associados: Cultura escrita, Instrumentos de escrita, Suportes da escrita
Referências bibliográficas:
ALMADA, M. Artes da pena e do pincel: caligrafia e pintura em manuscritos no século XVIII. Belo Horizonte: Fino Traço Editora, 2012.
HÉBRARD, J. Por uma bibliografia material das escritas ordinárias: o espaço gráfico do caderno escolar (França – Séculos XIX e XX). Revista Brasileira de História da Educação, v. 1, n. 1, 2001, p. 115-141. Disponível em: http://www.rbhe.sbhe.org.br/index.php/rbhe/article/view/277/285 Acesso em: 20/06/2014
VIDAL, D. G. Da caligrafia à escrita: experiências escolanovistas com caligrafia muscular nos anos 30. Revista da Faculdade de Educação, jan 1998, v.24, n.1, p.126-140. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010225551998000100009&lng=en&nrm=iso Aceso em: 20/06/2014
VIDAL, D. G.; ESTEVES, I. de L. Modelos caligráficos concorrentes: as prescrições para a escrita na escola primária paulista (1910-1940). In: PERES, E.; TAMBARA, E. (Orgs.). Livros Escolares e Ensino da Leitura e da Escrita no Brasil (séculos XIX-XX). Pelotas: Seiva, 2003.