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Cultura escrita

Autor: Ana Maria de Oliveira Galvão,

Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG / Faculdade de Educação / Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação-GEPHE,

Cultura escrita é o lugar – simbólico e material – que o escrito ocupa em/para determinado grupo social, comunidade ou sociedade. Essa definição baseia-se na acepção antropológica de cultura, considerada como toda e qualquer produção material e simbólica, criada a partir do contato dos seres humanos com a natureza, com os outros seres humanos e com os próprios artefatos, criados a partir dessas relações.

Essa definição traz algumas consequências. A primeira delas diz respeito à compreensão de que a cultura escrita, principalmente em sociedades complexas, não é homogênea. Nesse sentido, vários autores têm, nos últimos anos, preferido utilizar culturas do escrito ou culturas escritas. Esses termos são capazes de expressar que não existe um único lugar para o escrito em uma determinada sociedade ou em/para um determinado grupo social. Outra consequência refere-se ao papel ativo ocupado pelos sujeitos na produção das culturas do escrito. Assim, é pouco fértil afirmar que os indivíduos e/ou as sociedades se inserem ou têm acesso à cultura escrita, pois os seres humanos produzem cotidianamente bens materiais e simbólicos em várias dimensões de suas vidas. Essa produção diária é que vai, ao longo do tempo, configurar o lugar do escrito em seu grupo social, na sua comunidade.

A definição esboçada também nos leva a diferenciar cultura escrita de letramento. As duas expressões têm sido tomadas muitas vezes como sinônimas, possivelmente por serem ambas – ao lado da palavra alfabetismo – traduções do termo literacy. Se considerarmos que o letramento se refere, predominantemente, aos usos sociais da leitura e da escrita, compreendemos que ele compõe uma das dimensões das culturas do escrito, mas não pode ser tomado como seu sinônimo. A análise de como se usa a leitura e a escrita em uma determinada sociedade (ou seja, o estudo do letramento) pode nos levar a compreender melhor o(s) lugar(es) que o escrito ocupa nessa mesma sociedade.

Por fim, uma última consequência merece ser destacada: os lugares que o escrito ocupa não são os mesmos para os diferentes sujeitos e grupos que vivem naquela sociedade. Reconhecemos, assim, que as culturas do escrito não podem ser consideradas fora das relações de poder. Em outras palavras, existem modos de se relacionar com o escrito que são considerados os mais adequados – e trazem, em consequência, maior poder – em determinadas culturas. Por outro lado, é possível encontrar comunidades em que esses modos são ignorados por seus membros e que o escrito não ocupa papel relevante nas hierarquizações simbólicas e sociais que as fundamentam.

Tendo em vista essa discussão, é importante que o professor considere, principalmente quando trabalha com crianças de meios populares e/ou de meios rurais, que existem muitos modos de se relacionar com as culturas do escrito nas sociedades contemporâneas e que a escola tende a privilegiar apenas um deles. É fundamental que ele conheça os lugares simbólicos e materiais que o escrito ocupa na vida dos seus alunos, de suas famílias e de suas comunidades. Esse conhecimento e a consequente valorização desses outros modos de se relacionar com o escrito podem se concretizar de várias formas – por exemplo, quando professores convidam pessoas mais velhas para narrar histórias ou recitar poesias que sabem de cor. Tais condições permitem que o trabalho que se realiza na escola transforme a leitura e a escrita em instrumentos de luta em uma sociedade desigual. É importante também, principalmente para os educadores que trabalham na Educação de Jovens e Adultos, que reconheçam, cotidianamente, que os analfabetos e semialfabetizados são produtores de cultura – e não apenas consumidores.


Verbetes associados: Alfabetização, Letramento, Oralidade, Práticas e eventos de letramento , Usos sociais da língua escrita


Referências bibliográficas:
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
GALVÃO, A. M. O. História das culturas do escrito: tendências e possibilidades de pesquisa. In: MARINHO, M.; CARVALHO, G. T. (orgs.). Cultura escrita e letramento. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2010, p.65-95.
GALVÃO, A. M. O.; DI PIERRO, M. C. Preconceito contra o analfabeto. São Paulo: Cortez, 2007.
SOARES, M. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 1987.

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