Interação
Autor: Maria Lúcia Castanheira,
Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG / Faculdade de Educação / Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita-CEALE,
Inter-ação: inter ‘no interior de dois; entre; no espaço de’ e ação ‘ato ou efeito de agir’. Interação, segundo os dicionários: “influência mútua de órgãos ou organismos; ação recíproca de dois ou mais corpos”. O vocábulo interação – em expressões como interação social, interação em sala de aula, interação entre pares, interação com a escrita ou interação discursiva – traz o significado de que, na vida social e nos diversos espaços em que nos encontramos com os outros, nos usos que fazemos da linguagem falada, nas situações em que usamos a linguagem escrita, realizamos ações que têm consequências para os participantes e que influenciam a maneira como nos vemos e vemos os outros, de que maneira somos vistos pelos outros, e também a maneira como (re)conhecemos significados que as pessoas atribuem aos artefatos culturais que utilizam nesses encontros.
No campo dos estudos sobre a alfabetização, a partir da década de 1980, o uso do termo interação foi se tornando cada vez mais comum entre nós. Alguns trabalhos podem ser citados como marcos desse período, com destaque para as contribuições de Emília Ferreiro e Ana Teberosky e de Ana Luíza Smolka. Ao explorarem proposições de Piaget, Ferreiro e Teberosky demonstraram como as crianças refletem sobre a escrita em situações cotidianas, permitindo uma compreensão da aprendizagem da escrita como um processo no qual o aprendiz ativamente levanta e (re)formula hipóteses sobre a lógica de funcionamento desse objeto, seus usos e funções sociais, muito antes de entrarem para a escola. Smolka, reconhecendo a necessidade de pensar a alfabetização em termos de interação e interlocução, lançou mão das contribuições da Teoria da Enunciação e da Análise do Discurso para investigar: Quem ensina? O quê? Para quem? Onde? Ao examinar tais questões, ela também contribuiu para o reconhecimento de que a interação do aprendiz com a escrita é sempre situada em interações discursivas, ou seja, ocorre em um contexto particular, nos quais os participantes de um grupo social podem dizer, fazer, agir de certas maneiras e não de outras, o que traz consequências para o como se aprende e o que se aprende em um dado contexto interacional, seja dentro da escola ou fora dela.
Nas últimas décadas, passamos a entender tanto a alfabetização como o letramento como processos sociais que são (re)construídos localmente por membros de um grupo social à medida que esses interagem ao longo do tempo, dentro e fora da escola. Como educadores, e sobretudo como alfabetizadores, continuamos tendo vários desafios pela frente: devemos ser capazes de compreender a natureza social e interativa desses processos e as implicações de nossas ações ao ampliar ou limitar, em nossas aulas, o que os alunos podem ler ou escrever, para que e para quem tais práticas se realizam.
Verbetes associados: Alfabetização, Alfabetização como processo discursivo, Condições de produção do texto, Discurso, Enunciação / enunciado, Letramento, Psicogênese da aquisição da escrita
Referências bibliográficas:
CASTANHEIRA, M. L. Aprendizagem contextualizada: discurso e inclusão na sala de aula. Belo Horizonte: Ceale; Autêntica, 2004.
FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985
SMOLKA, A. L. B. A criança na fase inicial da escrita: alfabetização como processo discursivo. São Paulo: Cortez, 2013.