Psicogênese da aquisição da escrita
Autor: Maria das Graças de Castro Bregunci,
Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG / Faculdade de Educação / Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita-CEALE,
O termo psicogênese pode ser compreendido como origem, gênese ou história da aquisição de conhecimentos e funções psicológicas de cada pessoa, processo que ocorre ao longo de todo o desenvolvimento, desde os anos iniciais da infância, e aplica-se a qualquer objeto ou campo de conhecimento. No campo da aquisição da escrita, esta concepção se associa aos estudos psicogenéticos de Emília Ferreiro, Ana Teberosky e vários colaboradores, originalmente divulgados em países de língua espanhola, na década de 1970, com forte impacto no Brasil, a partir da década seguinte, sobretudo na Educação Infantil e nos anos iniciais destinados à alfabetização.
De acordo com este referencial, a apropriação da escrita se apoia em hipóteses do aprendiz, baseadas em conhecimentos prévios, assimilações e generalizações, dependendo de suas interações sociais e dos usos e funções da escrita e da leitura em seu contexto cultural. Tais hipóteses oferecem informações relevantes sobre níveis ou etapas psicogenéticas no processo de alfabetização e podem se manifestar tanto em crianças como em adultos: a) pré-silábica – o aprendiz ainda não compreende que a escrita representa os sons das palavras que falamos, mas faz experimentações diversas, utilizando, simultaneamente, desenhos e outros sinais gráficos – e, por isso, sua representação só é entendida ou ‘traduzida’ por ele mesmo. Além disso, a grafia da palavra pode ser vista como representação fiel das características do objeto que representa, inclusive pela extensão da escrita: se boi é um animal grande, a palavra boi deve ser igualmente grande. A superação dessa hipótese, conhecida como “realismo nominal”, é condição importante para a aquisição do princípio alfabético. Outras hipóteses observadas nessa etapa são as de quantidade mínima e de variedade de letras para diferenciar o registro de diferentes palavras; b) hipótese silábica – o aprendiz percebe os sons das sílabas como segmentos da palavra a ser escrita, mas supõe que apenas uma letra pode representá-las graficamente, podendo ou não ter o valor sonoro convencional – por exemplo, BNDA (silábico quantitativo) ou ELFT (silábico qualitativo) são quatro letras que podem representar a palavra elefante; c) hipótese silábico-alfabética – o aprendiz se encontra em transição entre níveis psicogenéticos e tanto pode representar sílabas completas como representações parciais da sílaba por uma só letra: por exemplo, para elefante, ELEFT; d) hipótese alfabética – o aprendiz compreende o princípio alfabético, percebendo unidades menores do que as sílabas, os fonemas, e gradualmente domina suas correspondências com os grafemas.
Algumas implicações pedagógicas da perspectiva psicogenética merecem destaque, sobretudo em contextos de alfabetização: 1) os progressos psicogenéticos na escrita são diferentes para cada aluno, pois não dependem apenas de experiências escolares; 2) a complexidade e o dinamismo desses processos são incompatíveis com a avaliação da ‘prontidão’ dos alunos ou a constituição de turmas homogêneas com alunos idealizados; 3) as hipóteses sobre a língua escrita expressam erros construtivos dos alunos – e o conhecimento dessas hipóteses propicia aos professores mediações oportunas e planejamento de atividades direcionadas a avanços na aquisição da língua escrita.
Verbetes associados: Apropriação da linguagem escrita na Educação Infantil , Apropriação do sistema de escrita alfabética, Conhecimentos prévios sobre a escrita, Consciência fonológica na alfabetização, Construtivismo, Correspondência grafofonêmica, Fonema, Grafema, Interação, Palavra, Realismo nominal , Zona de desenvolvimento proximal
Referências bibliográficas:
FERREIRO, E. Reflexões sobre a alfabetização. São Paulo: Cortez, 1985.
FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
NEMIROVSKY, M. O ensino da linguagem escrita. Porto Alegre: Artmed, 2002.