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Numeramento

Autor: Maria da Conceição Ferreira Reis Fonseca,

Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG / Faculdade de Educação / Grupo de Estudos Sobre Numeramento-GEN,

Nas discussões sobre a inserção no mundo da leitura e da escrita, gerou-se a necessidade de se distinguir o termo Letramento (usado para caracterizar leitura e escrita como práticas sociais) do termo Alfabetização (reservado para falar da aquisição do sistema alfabético). Da mesma forma, na Educação Matemática surgem termos como Numeramento, Numeracia, ou Letramento Matemático, para tratar das relações com conhecimentos matemáticos como práticas sociais, deixando-se as expressões Ensino de Matemática, ou mesmo Alfabetização Matemática, associadas a uma abordagem voltada para os aspectos mais técnicos do aprendizado matemático.

Assim, muitas vezes vemos o termo Numeramento ser utilizado em analogia ao termo Letramento, transferindo as considerações sobre a apropriação da cultura escrita para a discussão sobre o acesso ao conhecimento matemático. Esse paralelismo tem sido relevante na busca de se destacar tanto a preocupação com o ensino da Matemática formal (a Alfabetização Matemática) quanto os esforços para compreender e fomentar os modos culturais de se “matematicar” (Letramento Matemático ou Numeramento) em diversos campos da vida social (até mesmo na escola).

Mas também podemos considerar o Numeramento como uma dimensão do Letramento. Ou seja, como o Letramento envolve as condições para que o sujeito atenda às demandas de uma sociedade grafocêntrica, para ser letrado, ele precisará mobilizar conhecimentos diversos relevantes na vida social, entre os quais se destacam conhecimentos matemáticos. Isso não só por causa da recorrência de representações matemáticas nos diversos textos que circulam nas sociedades grafocêntricas, mas também porque os modos de conhecer, explicar, organizar, argumentar, decidir e apreciar dessas sociedades baseiam-se muito fortemente em critérios quantitativos, métricos ou classificatórios, que compõem o que chamamos de conhecimentos matemáticos. Desse modo, mesmo um leitor iniciante vai se deparar com textos em que aparecem preços, medidas, quantidades, gráficos ou tabelas. São folhetos de promoções em supermercados ou tabelas de preços de lanchonetes, rótulos de produtos, fichas de acompanhamento médico de crianças ou adultos, matérias no jornal ou na TV, divulgando fenômenos e pesquisas, e tantos outros textos que já devem aparecer nas classes de alfabetização.  Eles trazem números, tabelas, gráficos, diagramas – que um leitor também precisa aprender a ler, pois é com base nessa leitura que muitas decisões são tomadas, tais como consumir ou não um produto, escolher o que e onde se vai comprar, alterar um tratamento de saúde, escolher um candidato. A preocupação em entender os papéis dessa informação quantificada ou os efeitos de sentido que conferem aos textos é o que nos faz compreender o Numeramento como uma dimensão do Letramento.

Essa concepção aponta, assim, para a Educação Matemática como parte dos esforços para se ampliarem as possibilidades de leitura crítica do mundo. Ou seja, o trabalho pedagógico focalizaria conhecimentos matemáticos (aí incluídos ideias, representações, procedimentos, critérios) como modos culturais de compreender o mundo, de organizar, narrar e avaliar as relações que estabelecemos com as pessoas, as coisas e os acontecimentos. Esses conhecimentos são relevantes na medida em que nos ajudam a conferir sentido aos textos que lemos e escrevemos, para nos apropriarmos das práticas de Letramento que se estabelecem em diversas instâncias da vida social, identificando suas intenções e recursos e, também, sendo capazes de criar estratégias de adaptação ou de resistência – e mesmo de transgressão – aos modos de organização e produção de uma sociedade regida pela palavra escrita.


Verbetes associados: Alfabetização, Cultura escrita, Letramento, Práticas de leitura


Referências bibliográficas:
FONSECA, M. C. F. R. Conceito(s) de numeramento e relações com o letramento. In: LOPES, C. E.; NACARATO, A. (Orgs.). Educação matemática, leitura e escrita: armadilhas, utopias e realidade. Campinas: Mercado das Letras, 2009. p. 47-60.
ROJO, R. H. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.
SKOVSMOSE, O. Educação crítica: incerteza, matemática, responsabilidade. São Paulo: Cortez, 2007.

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