Letramento escolar
Autor: Maria Lúcia Castanheira,
Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG / Faculdade de Educação / Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita-CEALE,
A expressão letramento escolar refere-se aos usos, às práticas e aos significados da língua escrita no contexto escolar. Tal designação decorre da compreensão de que o letramento varia de acordo com o contexto em que ocorrem eventos de letramento. Ler e escrever na escola são processos que se diferenciam de ler e escrever fora da escola, pois o quê, como, quando, para que se lê ou se escreve na escola são aspectos definidos a partir das especificidades dessa instituição, que visa, em última instância, ao ensino e à aprendizagem. A expressão letramento escolar, portanto, aponta para diferenças entre práticas de leitura e escrita desenvolvidas dentro e fora da escola.
Na escola, várias ações de ler e escrever são organizadas em função do que se quer ensinar e de como a aprendizagem do que foi ensinado será avaliada. Os alunos lerão um livro de determinado autor, previamente selecionado por um programa de ensino, que pode ter como objetivo o ensino de estilos literários ou de um gênero, a ampliação do seu vocabulário ou o desenvolvimento de certas habilidades de compreensão de texto. Comumente, após a leitura do livro, eles realizarão debates, provas ou escreverão textos, para que se avalie se os objetivos de ensino foram alcançados.
Fora da escola, ler e escrever são ações que as pessoas desenvolvem por diferentes motivos e em diversas situações. Por exemplo, as pessoas leem um livro pelo prazer de ler, pelo interesse em determinado tema e podem interromper essa leitura de acordo com sua disponibilidade ou seu desejo. Podem comentar sobre o livro com amigos, se o quiserem, mas não serão avaliados por essa leitura. Da mesma forma, se, fora da escola, podemos ver crianças e jovens produzindo comentários e postando assuntos de seu interesse e publicando-os no Facebook ou em um blog, na escola, estando subordinada às necessidades do ensino, a produção de texto será feita de acordo com definições prévias do tema a ser contemplado, do gênero a ser produzido, do destinatário do texto – quase sempre o professor, que avaliará a produção do aluno.
A comparação das condições em que a escrita e a leitura são realizadas dentro e fora da escola permite constatar que os propósitos dessas ações são delineados pela situação comunicativa em que eventos de letramento estão situados. Assim, desde a alfabetização, vários textos escolares, como murais, cartazes, resumos, relatos de experiências ou escrita de resultados de projetos fazem sentido no espaço escolar e, ao mesmo tempo, realizam usos e funções sociais da escrita e da leitura. Fora da escola, tais dimensões serão múltiplas, dada a grande variedade de situações comunicativas em que a escrita é utilizada –, por exemplo, na igreja, em clubes sociais, em brincadeiras ou no trabalho. É preciso ressaltar que a subordinação excessiva do uso dos textos à lógica escolar artificializa tais usos e legitima certas práticas de escrita em detrimento de outras. É, assim, por exemplo, que podemos ver alunos que leem e escrevem certos tipos de textos, já nos anos iniciais da alfabetização, não serem reconhecidos como leitores e escritores, por não estarem realizando tais atividades em circunstâncias ou da maneira que a escola espera.
Diversos pesquisadores têm demonstrado que a distância entre o mundo escolar e aquilo que acontece para além dos muros da escola dificulta a aprendizagem por parte de alunos que têm uma vivência cultural diferenciada daquela esperada por essa instituição – o que contribui para a discriminação dos alunos e dos grupos sociais a que pertencem. Essa distância é continuamente alimentada pelo não reconhecimento de práticas culturais, experiências linguísticas e conhecimentos sobre a escrita que os alunos desenvolvem fora da escola e que poderiam servir de recursos para as reflexões propostas pela escola. Educadores que reconhecem a escola como instituição promotora de inclusão social tentam diminuir essa diferença quando propõem que as atividades de ensino e os usos da leitura e escrita na escola levem em conta características das situações comunicativas em que ocorrem eventos de letramento fora da escola – ou seja, funções, usos, interlocutores reais. Essa perspectiva é especialmente relevante nos anos iniciais de escolarização, tendo em vista os objetivos de inclusão social e de ampliação dos repertórios de conhecimentos e habilidades de crianças de grupos sociais diferenciados.
Verbetes associados: Cultura escrita, Letramento, Práticas de leitura , Práticas e eventos de letramento , Situação comunicativa, Usos sociais da língua escrita
Referências bibliográficas:
SOARES, M. Letramento e escolarização. In: RIBEIRO, V. M. (Org.). Letramento no Brasil. São Paulo: Global, 2003. p.89-113.
SOARES, M. A (des)aprendizagem das funções da escrita. Educação em Revista. n.08. Belo Horizonte, dez. 1988. p. 3-11