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Grafema

Autor: Gilcinei Teodoro Carvalho,

Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG / Faculdade de Educação / Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita-CEALE,

Letra e grafema são termos que apresentam uma sutil distinção conceitual. Letra é um termo mais genérico, com um significado mais amplo. Grafema é um termo mais técnico que pretende dimensionar um caráter mais abstrato para as unidades escolhidas para grafar os sons. Nesta direção, diferentes tipos de letras podem registrar um mesmo grafema. Por exemplo, existem várias formas de grafar a primeira letra do nosso alfabeto (A, a, A, a) - considerando aqui a variação apenas entre maiúscula e minúscula e entre uma forma de imprensa e uma forma supostamente manuscrita. No universo de ocorrências, é possível ampliar infinitamente essas formas, indicando-se tanto as variações na caligrafia (as inclinações do traçado, a constância no modo de grafar) quanto as variações na tipografia (o estilo e a identidade das letras). A letra pode dimensionar um caráter particularizante, inclusive com uma dimensão autoral que institui uma identidade na sua forma manuscrita (a possibilidade de identificar a letra de alguém, por exemplo) ou um estilo na sua dimensão editorial (o uso de um tipo de letra para uma determinada esfera discursiva: times new roman e arial são, por exemplo, escolhas preferenciais nos usos acadêmicos). O grafema, por sua vez, pelo seu caráter sistêmico, não traz essa identidade pessoal ou de estilo, o que faz com que seja equivocado dizer, por exemplo, ‘o grafema tal do meu aluno está ilegível’.

A despeito de um universo de ocorrência de letras com formatos tão distintos, é possível a presença de uma única interpretação: mesmo com as diferentes formas de grafar, todas (A, a, A, a) representam o ‘A’. Como a ação de interpretar demanda abstrair todas essas variações visuais e reconhecer uma função no conjunto do alfabeto, então o termo grafema é o mais apropriado porque remete à necessidade de se pensar o sistema, nos seus valores contrastivos. Ou seja, um aspecto é a dimensão gráfica (a letra), com todos os critérios da direcionalidade da sua escrita, o que exige do aprendiz habilidades motoras e visuais para concretizar o traçado desejado ou para reconhecer uma forma. Outro aspecto é a dimensão interpretativa (o grafema), com o critério da constrastividade, que remete a comparações de natureza mais funcional. Assim, pelo critério gráfico, particulariza-se a ação de grafar indicando os requisitos do traço (ex.: orientações sobre onde começar o movimento); pelo critério interpretativo, compara-se o valor atribuído à forma (ex.: avaliações em oposição -  ‘a’ é ‘a’ porque não é ‘b’).

Assim, a letra tem uma relação com a realidade gráfica enquanto o grafema tem uma natureza mais interpretativa. Tanto que é possível, para um aprendiz, traçar uma letra sem ser um leitor, já que o reconhecimento ou a produção de uma determinada letra pode obedecer a um traçado fixo que, sob a menor variação, já dificultaria a tarefa. O desenvolvimento da habilidade de leitura, dentre outros aspectos, tem uma relação com a emergência dessa natureza interpretativa do grafema, já que, comparando diferentes formas das letras e avaliando a relação com outras, nas diversas posições que ocorrem, o aprendiz pode perceber que há variações gráficas que são significativas porque trazem valor distintivo, enquanto outras são apenas superficiais. A complexidade do processo de alfabetização justifica-se exatamente porque, para o aprendiz da escrita, é preciso dominar a fronteira entre o que é uma opção e o que é uma restrição do sistema. Não sem razão, uma das metodologias adotadas nesse momento de aquisição, especialmente para o aprendizado da leitura, é a apresentação de apenas um tipo de letra (maiúscula, de fôrma – ou bastão) para que, além da percepção das particularidades das letras, seja possível iniciar uma atitude mais comparativa. Isso, no entanto, não minimiza a necessidade de ensinar todos os complexos detalhes do alfabeto. Por exemplo, o grafema ‘b’ pode, ao se concretizar nas formas maiúsculas e minúsculas, de fôrma e manuscrita, trazer diferentes critérios de grafia: número de semicircunferências (b e B) ou qualidade do traçado (b e B). As diferenças são, do ponto de vista visual, bastante significativas. No entanto, esse aprendizado unitário da letra será importante quando permitir também a confrontação com outros elementos, não sem razão aquele que poderia mais se aproximar, por exemplo o grafema ‘d’, cuja variação de letras é igualmente complexa. Esses ‘detalhes’ de grafia é que justificam a afirmação que diz que há o aprendizado de vários alfabetos, já que as diferenças são bastante significativas. No entanto, para o acesso ao significado, é a abstração do alfabeto que vai permitir, em uma atitude comparativa, dimensionar a ação interpretativa necessária para ‘ver’, nas letras, os grafemas.


Verbetes associados: Caligrafia, Convenções da escrita, Fone, Fonema, Grafomotricidade, Legibilidade em textos impressos para crianças


Referências bibliográficas:
AJURIAGUERRA, J. de et al. A escrita infantil. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988.
CAGLIARI, L. C. Alfabetização & Linguística. São Paulo: Scipione, 1989.
CAMARA JR., J.M. Dicionário de Linguística e Gramática. Petrópolis: Vozes, 1988.
KATO, M.A. (org.) A concepção da escrita pela criança. Campinas: Pontes, 1988.

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