Interação verbal
Autor: Luiz Carlos Travaglia,
Instituição: Universidade Federal de Uberlândia-UFU / Instituto de Letras e Linguística-ILEEL,
A linguagem verbal tem sido compreendida de três maneiras. Em primeiro lugar, como uma expressão do pensamento, ou seja, como uma exteriorização e tradução do que estaria em nosso pensamento. Para essa visão, a capacidade de usar bem a língua dependeria da capacidade individual de organizar de maneira lógica o pensamento. O bom uso da língua não dependeria em nada de para quem se fala, em que situação ou para quê. O ato de dizer seria monológico.
Em segundo lugar, tem sido considerada como um código, isto é, um conjunto de signos que se combinam segundo regras, e que é capaz de transmitir uma mensagem de um emissor a um receptor. Aquele que fala ou escreve codificaria uma mensagem contendo informações que estavam em sua mente (codificação) e que seriam enviadas, por meio de um canal (ondas sonoras ou luminosas), até o ouvinte/leitor. Este decodificaria a mensagem, recuperando as informações. Os problemas de comunicação seriam sempre devidos a problemas de conhecimento e uso do código, o qual, devido ao fato de a língua ser um fenômeno social, teria que ser conhecido e utilizado de maneira semelhante, preestabelecida, convencional, para que a comunicação se efetivasse. Esta é também uma visão monológica da língua e, além disso, imanente, porque considera que a significação do que se diz nasce da língua e independe dos interlocutores e de fatores sociais, culturais, históricos e ideológicos.
Em terceiro lugar, a linguagem verbal tem sido compreendida como uma forma de ação social, localizada em um contexto específico. Daí resulta o conceito de interação verbal, segundo o qual o locutor sempre age sobre o interlocutor (avisa, confidencia, impressiona, dá a conhecer, etc.) e, por sua vez, orienta sua produção discursiva pela imagem que constrói do interlocutor antes e durante o processo de comunicação. Assim ocorre a interação: ação de um sobre o outro. Portanto, para essa visão da língua, que é a predominante hoje, o que se faz ao usar a língua não é apenas exteriorizar ou traduzir um pensamento ou transmitir informações a outrem, mas sim realizar ações, agir, atuar sobre o interlocutor, o que nos leva a construir o que dizemos levando em conta o outro e o contexto. A língua é, pois, um lugar e um instrumento de interação comunicativa pela produção de efeitos de sentido entre interlocutores, em uma dada situação de comunicação (contexto imediato) e em um contexto sócio-histórico e ideológico. Esses interlocutores agem como sujeitos que ocupam lugares sociais (pai, mãe, filho, professor, aluno, pesquisador, patrão, empregado, artista, etc.) e “falam” e “ouvem” desses lugares, de acordo com imagens que a sociedade estabeleceu para tais lugares sociais, regulando, inclusive, o que se pode dizer quando estamos ocupando um desses lugares (o patrão pode dizer ao empregado “faça isso”; o empregado não pode dizer a mesma coisa ao patrão). Tem-se, assim, a interação verbal, que é vista como a realidade fundamental da linguagem, estabelecendo que o diálogo em sentido amplo (mesmo nos textos escritos há um diálogo) é que caracteriza a linguagem.
Ver a língua como forma de interação verbal faz com que tenhamos de trabalhar, em sala de aula, o uso da língua na produção e compreensão de textos, sempre como algo que depende não apenas dos recursos da língua e suas potencialidades significativas, mas também de quem são os interlocutores em sua condição social e postos em um contexto que também afeta os sentidos dos textos. Na Educação Infantil e nos primeiros anos do Ensino Fundamental, isso significa discutir sempre com os alunos: O que temos a dizer? Para quem vamos escrever? O que o nosso leitor sabe? O que ele não sabe e vai ficar sabendo por meio do nosso texto?Que modo de organizar o texto e que estilo de linguagem será mais adequado ao nosso objetivo, ao nosso leitor e à situação em que o texto será lido? Essas questões podem ser apresentadas às crianças mesmo nos momentos iniciais de sua alfabetização, quando o professor se faz escriba numa produção de texto coletiva. Invertendo o sentido, as mesmas questões podem ser feitas no processo de leitura: Quem produziu o texto? A que público se dirige?O que tem a dizer?Como organizou o texto, que linguagem usou para atingir seus objetivos?
Verbetes associados: Competência comunicativa, Competência discursiva, Condições de produção do texto, Discurso, Gramática, Interpretação de leitura, Situação comunicativa, Texto,
Referências bibliográficas:
BAKHTIN, M.M. (VOLOCHINOV). Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo:Hucitec, 1981[1929].
KOCH, I.V. A interação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 2013.