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Leitura em voz alta

Autor: Ana Maria de Oliveira Galvão,

Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG / Faculdade de Educação / Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação-GEPHE,

A leitura em voz alta, como a própria expressão indica, é aquela que se faz oralmente. Até a Idade Média, era praticamente o único tipo de leitura existente. Segundo Roger Chartier, a leitura silenciosa e visual estava restrita aos copistas monásticos e somente em torno do século XII foi que chegou às escolas e às universidades. O próprio modo como as frases eram escritas, sem separação entre as palavras, é uma expressão de que somente pela vocalização do texto se poderia compreender o que se estava lendo.

De modo geral e ainda por muitos séculos, a leitura em voz alta era realizada coletivamente, em situações de sociabilidade, o que permitia a participação de indivíduos analfabetos e semialfabetizados. Em um momento histórico em que havia poucos materiais de leitura disponíveis e o público alfabetizado era relativamente pequeno, ler oralmente era, muitas vezes, ler de modo intensivo. Muitas pessoas se tornaram leitoras por meio da voz de um outro, que lhes fazia entrar no mundo do último folhetim, da Bíblia, de poemas, de folhetos de cordel, de romances, de cartas, de jornais. Por meio da oralidade e da mediação de alguém, aproximavam-se de um universo a que estavam pouco familiarizados e que possivelmente lhes trazia tensões: o da cultura escrita.

Mesmo nos meios eruditos, eram muito comuns reuniões – os chamados serões – em que as pessoas liam em voz alta, recitavam poesias, ouviam música, conversavam e até mesmo costuravam alianças políticas. A leitura oralizada era tão forte em países como o Brasil, de imprensa e escolarização tardias, que Antônio Cândido afirma que, mesmo entre as elites, tínhamos, na primeira metade do século XX, um público mais de “auditores” do que de leitores. Afinal, a oralidade predominava como modo de comunicação em diferentes espaços sociais, como nas igrejas, em instâncias públicas e nas escolas.

Nas práticas escolares cotidianas, a leitura em voz alta foi predominante até recentemente, apesar das prescrições do movimento da Escola Nova favoráveis à leitura silenciosa. Aprender a ler para ler em público fazia (e ainda faz) parte de algumas práticas sociais e exigia (exige) preparação. Ler com uma boa performance fazia (faz) parte de vários rituais escolares, como sessões de auditórios e outras cerimônias. Acreditava-se, ainda, que, além de exercitar (e dar elementos para que o professor avaliasse) a dicção, a impostação da voz, a entonação, a pontuação e a fluência – em um período em que o bem falar era tão ou mais importante do que o bem escrever – ela seria o melhor meio para controlar o sentido da leitura. De modo diferente do que ocorria com a leitura silenciosa, que permitia o encontro direto do leitor com o texto, a leitura em voz alta tornava o professor o proprietário da interpretação correta, evitando devaneios, pensamentos frívolos e o deleite inútil. É interessante observar, no entanto, que, mesmo com essa obsessão pelo controle, a escola possibilitou, por meio da leitura em voz alta, a formação de muitos leitores que, embevecidos com a voz da professora ou do professor, transportavam-se para outros mundos, muitas vezes desconhecidos e fascinantes.

Atualmente, a leitura em voz alta pode ser um importante instrumento para aproximar as crianças pequenas e os adultos em processo de alfabetização das lógicas do escrito, fazendo-os apreender a sua estrutura e algumas de suas características, como a estabilidade, antes mesmo de se alfabetizarem. É interessante, nesse sentido, que alunos de outras turmas leiam para aqueles que ainda não sabem. Além disso, e talvez o mais importante, a leitura em voz alta pode ensinar-lhes que ler é também partilhar sentidos e emoções de forma coletiva.


Verbetes associados: Cultura escrita, Leitura Expressiva, Leitura extensiva, Leitura intensiva, Leitura silenciosa, Modos de ler na infância, Práticas de leitura


Referências bibliográficas:
CÂNDIDO, A. Literatura e sociedade. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1965.
CHARTIER, R. Do códice ao monitor: a trajetória do escrito. Estudos Avançados, São Paulo, v. 8, n. 21, Ago. 1994.
GALVÃO, A. M. O. Cordel: leitores e ouvintes. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.

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