Leitura intensiva
Autor: Ana Maria de Oliveira Galvão,
Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG / Faculdade de Educação / Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação-GEPHE,
A leitura intensiva se caracteriza pelo ato de ler, várias vezes, o mesmo texto. Essa expressão foi utilizada pela primeira vez pelo historiador alemão Rolf Engelsing, ao estudar a história da leitura em seu país, tendo identificado que, até aproximadamente 1750, as pessoas tendiam a ler e reler, repetidamente, um pequeno número de livros. A predominância desse tipo de leitura naquele período pode ser explicada pela escassez de materiais escritos disponíveis na maioria das localidades. Mesmo após o advento da tipografia, no século XV, o impresso era um objeto raro e caro. Além disso, na maioria dos países, os índices de alfabetização eram baixos e os sistemas públicos de ensino ainda não haviam sido implantados.
A leitura intensiva ocorria, geralmente, em voz alta, em grupo, em situações de sociabilidade, o que permitia a participação de analfabetos e semialfabetizados. A Bíblia, livros de devoção, almanaques e livretos baratos eram lidos, ouvidos, recitados, memorizados e, muitas vezes, transmitidos de geração em geração. No entanto, não era apenas a escassez de materiais escritos que explicava a predominância da leitura intensiva: a própria concepção de leitura era diferente da que predominaria a partir de 1750, quando se iniciou uma verdadeira “revolução da leitura”, e o modo de ler se tornou principalmente extensivo. Para a maioria das pessoas, ler era sinônimo de saber de cor, então considerado o melhor modo de se apropriar da palavra escrita, que era vista quase como uma propriedade do sujeito: ninguém poderia usurpá-la, se ele a tivesse em sua mente e em seu coração.
A leitura representava, assim, muito mais o reconhecimento do que já era familiar ao leitor/ouvinte do que a descoberta de novos mundos. Essa periodização rígida, que toma 1750 como um marco que separa a leitura intensiva da leitura extensiva, embora sirva como orientação para compreender, de modo geral, a história da leitura, tem sido problematizada – pois, mesmo atualmente, há certos objetos que continuam a ser lidos intensivamente, como a Bíblia, folhetos de cordel, poemas, textos acadêmicos, cartas e livros de literatura infantil.
Há também instâncias em que a leitura intensiva ocorre com mais frequência, como espaços religiosos, a escola, ou mesmo a cabeceira da cama, antes de dormir. Sujeitos pouco familiarizados com o mundo da cultura escrita também são mais propensos a realizar esse tipo de leitura. Ler ou ouvir a leitura de outrem repetidas vezes é, sobretudo, reencontrar aquilo que já se conhece, seja um preceito que ajuda a viver, seja uma palavra ou frase que provoca riso, choro, alegria, medo ou fruição estética. É reencontrar e reelaborar as emoções sentidas nas vezes anteriores em que se deparou com o mesmo texto.
Para a criança pequena, ou mesmo para os alunos da Educação de Jovens e Adultos, a leitura intensiva tende a deixá-los confortáveis diante de um universo que, inicialmente, pode causar-lhes tensão: o da palavra escrita. Além disso, ler e reler textos já conhecidos faz com que eles se apropriem de algumas especificidades da escrita, como a sua estabilidade (afinal, é diferente contar uma história ou ler uma história). A leitura intensiva também contribui para o recontar e o reescrever histórias, estratégia muito empregada, desde a Educação Infantil, para favorecer a apropriação, pelos alunos, da linguagem com a qual se escreve. Aos poucos, é importante ampliar esse corpus, para que as crianças ou os adultos em processo de alfabetização construam a ideia de que ler é também conhecer algo novo, como fazem os leitores extensivos.
Verbetes associados: Cultura escrita, Leitura em voz alta, Leitura extensiva, Leitura silenciosa, Modos de ler na infância, Reconto
Referências bibliográficas:
CHARTIER, R.; CAVALLO, G. História da leitura no mundo ocidental. v. 1. São Paulo: Ática, 1998.
CHARTIER, R.; CAVALLO, G. História da leitura no mundo ocidental. v. 2. São Paulo: Ática, 1999.