Pacto ficcional
Autor: Hércules Tolêdo Corrêa,
Instituição: Hércules Tolêdo Corrêa,
A palavra “pacto”, em acepções mais usuais do termo, designa um ‘contrato’, um ‘ajuste’ entre as partes envolvidas. Dessa forma, podemos pensar em ‘pacto de leitura’ com um contrato, um ajuste que se faz entre leitor e texto.
O pacto ficcional é um tipo de relação que se estabelece entre o leitor e o texto, é uma das formas do pacto de leitura. O adjetivo “ficcional” vem do substantivo “ficção”, que significa invenção, fantasia, imaginação. Em teoria da literatura, dizemos que um texto é ficcional ou fictício quando há nele uma suspensão de comprovação histórica dos fatos narrados. É preciso ressaltar, entretanto, que os limites entre o ficcional e o histórico não são tão precisos quanto pode parecer à primeira vista. Uma obra pode ser ficcional e basear-se em fatos históricos ou em personagens que realmente existiram.
Portanto, pacto ficcional é o acordo que se estabelece entre leitor e texto, no sentido de não se questionar o estatuto fantasioso de uma obra. Esse pacto se realiza tanto a partir da leitura de obras literárias escritas em prosa, como contos, novelas e romances, dirigidos a adultos, jovens e crianças, como também a partir de obras em linguagens que mesclam o verbal e o visual, como novelas e séries televisivas, filmes, histórias em quadrinhos, tirinhas de jornal, desenhos animados e outras produções de vários gêneros.
Pensemos em um leitor que inicia a leitura de um conto de fadas dos Irmãos Grimm: Era uma vez... A expressão leva o leitor a estabelecer uma relação com o texto que faz com que ele não busque naquele texto referências factuais ou reais. Um leitor ocidental, por exemplo, conhecedor de ‘contos maravilhosos’, não se assusta quando lê que havia, num certo país distante, um burro falante ou um príncipe que havia sido transformado em sapo por uma bruxa.
O pacto ficcional é também chamado de pacto romanesco, quando relacionado à leitura de romances. Quando se trata de livros de memória ou livros biográficos e autobiográficos, fala-se em pacto biográfico e pacto autobiográfico. O pacto biográfico, por exemplo, distingue-se do pacto ficcional na medida em que o leitor, ao ler uma obra de natureza biográfica, a toma como a representação da vida de algumas pessoas que tiveram existência real. O pacto biográfico e o pacto autobiográfico se diferenciam tendo em vista que, no segundo, autor e narrador coincidem, ao passo que, no pacto biográfico, o narrador – um terceiro – apresenta as situações vividas por uma pessoa que realmente existiu.
Há outros tipos de pactos de leitura, conforme as especificidades dos gêneros textuais, e dessa forma poderíamos pensar em pacto científico (para a leitura de trabalhos científicos como artigos, dissertações e teses); pacto factual (para a leitura de notícias, reportagens, relatórios, boletins de ocorrência) ou pacto histórico (para a leitura de textos históricos, como documentos e narrativas historiográficas). Ressalte-se, porém, que uma forma de pacto não precisa necessariamente excluir outra. Assim, podemos ler um romance relativizando o que pode ser mais ou menos calcado numa dada realidade ou ler um texto histórico pensando no quanto o historiador também pode ficcionalizar ao imprimir seu ponto de vista no relato.
Verbetes associados: Enunciação literária, Experiência estética literária, Leitura , Leitura literária, Letramento Literário
Referências bibliográficas:
LEJEUNE, P.; NORONHA, J. M. G.; GUEDES, M. I. C. O pacto autobiográfico: de Rousseau à internet. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
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