Campo semântico
Autor: Rodolfo Ilari,
Instituição: Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP / Instituto de Estudos da Linguagem-IEL,
Ao lado dos adjetivos semântico, lexical ou nocional, a palavra campo tem sido usada para dar contornos mais precisos à ideia (de Saussure, o fundador da linguística moderna) de que, ao explicar qualquer signo linguístico, os falantes da língua enveredam por vários tipos de associações. Saussure ilustrou essa ideia mediante uma representação em que, do signo ensinamento, partem várias linhas em que se situam outros signos, evocados porque “o som é parecido”, porque “o radical das palavras é o mesmo”, “porque as noções evocadas são parecidas”- ou por critérios diferentes.
Quando se fala em campo semântico, pensa-se numa dessas linhas, aquela em que se representam conceitos próximos e fortemente relacionados, como ensinamento, aprendizado e educação. Entende-se que esses conceitos repartem entre si uma área de conhecimento mais ampla (às vezes chamada de campo nocional), justapondo-se uns aos outros como numa espécie de mosaico. Por campo lexical entende-se, ao contrário, uma lista de palavras que, juntas, dão conta de um certo tipo de experiência ou atividade. Por exemplo, os nomes dos instrumentos musicais, os graus da hierarquia militar e a lista de compras da dona de casa são campos lexicais.
Para a linguística, tem sido muito importante pensar em termos de campos. Isso permite não só entender o que distingue dois conceitos próximos (ou duas palavras apenas aparentemente sinônimas, como roubo e furto), mas também acompanhar alterações que ocorreram na língua ao longo do tempo: por exemplo, no século XIX, os jornais brasileiros ainda falavam em indústria agrícola, porque entendiam indústria genericamente como atividade; hoje prevalece uma divisão das atividades produtivas que distingue agricultura, indústria (transformação) e comércio. Explicando fatos como esse, o estudo dos campos semânticos se tornou um auxiliar importante da etimologia, a ciência que estuda a mudança das significações. Mas os campos semânticos e lexicais também permitem fazer comparações mais confiáveis das línguas. Por exemplo, na perspectiva dos campos semânticos, foi possível confirmar que algumas línguas distinguem apenas três cores, ao passo que outras tratam como diferentes doze ou mais matizes.
Ao professor de primeiras letras e aos autores de livros didáticos de Português portuguesa interessa lembrar que os alunos das fases iniciais de escolarização não têm necessariamente “na cabeça” os mesmos campos lexicais e semânticos que o professor ou que os colegas de classe; de fato, reunindo vários alunos numa mesma sala, a escola promove a convivência de vários universos que merecem ser conhecidos e explorados. Nessa perspectiva, o processo pedagógico deveria ser um trabalho de reconstrução e enriquecimento constante dos universos de referência dos alunos.
A quantidade de experiências que se podem proporcionar aos alunos a partir da ideia de que as palavras e os conceitos formam redes associativas é infindável. Pode-se desde discutir com eles se um skate é um veículo e droga é um palavrão, até fazer com que troquem ideias entre si sobre as categorias em que podem ser classificadas as músicas que eles ouvem (“lentas” e “loucas”? “caretas” e “legais”?).
Um objetivo a ser trabalhado é o reconhecimento de que diferentes comunidades de falantes organizam as mesmas experiências de acordo com sistemas de referência diferentes (por exemplo, para a maioria dos brasileiros, roubo é qualquer ocorrência em que os malfeitores se apossam de um bem de outra pessoa; para os profissionais da lei, só há roubo se envolve violência). Diferenças são uma fonte eterna de desenvolvimentos; aprender a lidar com elas pode ser a chave de uma comunicação mais eficaz e de uma convivência mais tranquila.
Verbetes associados: Dicionários – seu uso em alfabetização, Léxico, Referente, Semântica, Sentido, significado e significação, Signo linguístico
Referências bibliográficas:
Saussure, F. de. Curso de Linguística Geral, São Paulo: Cultrix/Universidade de São Paulo, 1971.
ILARI, R. Introdução ao estudo do léxico. Brincando com as palavras. São Paulo: Contexto, 2003.