Língua
Autor: Marcos Bagno,
Instituição: Universidade de Brasília-UnB,
O termo língua costuma ser definido sob dois pontos de vista: o técnico-científico e o sociocultural. De acordo com o primeiro, uma língua é um sistema formado por diferentes módulos: o fonético (os sons relevantes para a enunciação), o morfossintático (as unidades significativas e seu arranjo em frases e textos, segundo regras) e o semântico (os significados e os sentidos). Outra divisão é a que propõe um léxico (todas as palavras da língua) e uma gramática (as regras que permitem combinações dessas palavras para fazerem sentido). Essa é a concepção da língua como estrutura, como uma entidade autônoma, que pode ser estudada em si mesma, sem referência a fatores externos.
O ponto de vista sociocultural é aquele assumido pela maioria das pessoas, isto é, as que não são especializadas nos estudos científicos da linguagem. Assim, quando saímos do campo técnico, especializado, nos deparamos com as concepções do senso comum, ou seja, as ideias mais ou menos cristalizadas que circulam na sociedade e na cultura. Aqui, a definição de língua é vaga e imprecisa, impregnada de mitos culturais e preconceitos sociais, decorrentes de longos processos históricos, específicos a determinado povo, nação ou grupo social. Um dos estereótipos culturais mais resistentes é o que identifica língua ao modelo idealizado de escrita literária, geralmente obsoleta, que podemos chamar de norma-padrão e que vem descrito e prescrito nos livros chamados gramáticas normativas.
Uma terceira perspectiva, mais recente, estuda a língua não só como estrutura fonomorfossintática, mas sobretudo em seus aspectos semânticos, pragmáticos e discursivos. Segundo essa abordagem, só existe língua em interação social, de modo que é preciso examinar e compreender os processos envolvidos na produção de sentido que se dá toda vez que falamos e/ou escrevemos. Aqui a língua não é uma entidade abstrata: ao contrário, ela é vista como uso concreto, uso que se faz sempre e inevitavelmente na forma de um discurso que se molda segundo as convenções dos múltiplos gêneros que circulam numa sociedade-cultura. Assim, os textos – falados e escritos – são molduras linguísticas em que os enunciados se interconectam (por meio de fatores como coesão e coerência, entre outros) para conferir sentido ao discurso expresso como gênero textual. Por isso, é uma abordagem (1) semântica, que analisa o sentido (e não o significado abstrato) que os enunciados adquirem nos discursos particulares; (2) pragmática, que investiga as intenções subjacentes à situação daquele uso específico das palavras, das construções sintáticas e das propriedades textuais; e (3) discursiva, porque tenta depreender as crenças sociais, os valores culturais e as ideologias que subjazem aos enunciados concretos.
Essa abordagem tem conquistado amplo espaço na educação linguística contemporânea, que enfatiza a necessidade do trabalho, em sala de aula, com textos autênticos, falados e escritos, portadores de um discurso que deve ser compreendido em todas as suas amplas e múltiplas dimensões socioculturais. Ela também se faz presente nas obras mais recentes publicadas no Brasil sob o título de gramática, em que os autores procuram observar o funcionamento da língua não somente do ponto de vista fonético e morfossintático, mas também em sua dinâmica sociointeracional e sociodiscursiva, isto é, nas relações sociais estabelecidas por meio da linguagem e que fazem a língua estar sempre em movimento, em transformação, em mudança, graças ao trabalho que os falantes empreendem com ela a cada instante de sua vida em sociedade.
Verbetes associados: Coerência textual, Coesão textual, Discurso, Gêneros do discurso, Gramática, Interação verbal, Linguagem, Pragmática, , Semântica, Variação línguística
Referências bibliográficas:
BAGNO, M. Gramática pedagógica do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2012.
CASTILHO, A. T. Nova gramática do português brasileiro. São Paulo: Contexto, 2010.
MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008.
VAL, M. G. C. Redação e textualidade. São Paulo: Martins Fontes, 1991.