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Discurso institucional

Autor: Sírio Possenti,

Instituição: Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP / Instituto de Estudos da Linguagem-IEL,

O termo discurso tem várias acepções. Em uma delas, é associado a posições políticas, ideológicas ou a campos de atividade humana. Expressões como “discursos de esquerda / liberais / feministas” ou “científico / religioso / literário” etc. se devem a esse fato. Assim, um discurso é um conjunto de “ideias” relacionadas a um campo ou doutrina, o que implica, frequentemente, partidos, igrejas, escolas; em uma palavra, instituições.

Discursos se materializam em textos, frases, fórmulas, palavras ou outros signos, como os símbolos, que podem se relacionar diretamente com discursos determinados, como “privatização”, “sustentabilidade” ou foice e martelo etc. Gêneros textuais também podem ser típicos de certos discursos: editoriais têm a ver com jornalismo; artigos, com campos de saber; poemas e romances, com literatura.

Discursos relacionam-se a outros discursos, no chamado interdiscurso, por meio de citação, alusão, polêmica, paródia.

Discursos têm enunciadores típicos: juízes assinam sentenças, sacerdotes fazem sermões, professores dão aulas, sindicalistas, fazendeiros, industriais falam em nome de partidos ou ideologias.

Um enunciador profere enunciados que explicitam suas posições (o planeta está morrendo / queremos desenvolvimento sustentável / defendemos distribuição de renda etc.) e não profere enunciados dos outros discursos. Se o fizer, pode ser expulso, criticado, renegado. Por isso, diz-se que “de tudo o que é dizível (em uma língua), só uma parte é enunciável (para um sujeito / discurso)”. Assim, protestantes não defendem a infalibilidade do papa, ateus não defendem que Deus existe, liberais não defendem impostos elevados, machistas não defendem direitos iguais para homens e mulheres.

Uma questão clássica é “por que um enunciado aparece e não outro”? A resposta vem da história, que explicita as condições de produção dos discursos. Por que, no século XVII, a cosmologia muda e torna possível dizer que “a Terra gira ao redor do sol”? A história fornece as razões econômicas, científicas, políticas, culturais, técnicas que explicam tal mudança. Por que, hoje, para vender uma meia, a fábrica enuncia o slogan “Lupo, ou lipo”? É porque se valorizam corpos magros e se expandem as técnicas cirúrgicas que podem alterá-los. Em outras circunstâncias, esse slogan não teria sentido, não ocorreria, não funcionaria.

Esse conceito tem implicações para a leitura e a produção de textos. A leitura deveria levar em conta não apenas o sentido estrito, mas também o campo, a ideologia que os textos materializam, sua relação, eventualmente polêmica, com outros campos e ideologias. Tem também implicações para a escrita, na medida em que cada discurso tem preferência por certos gêneros e por determinados argumentos e estilo.


Verbetes associados: Compreensão leitora, Esferas ou campos de atividade humana, Gêneros do discurso, Interdiscursividade, Interpretação de leitura, Intertextualidade


Referências bibliográficas:
BRANDÃO, H. N. Introdução à análise do discurso. Campinas: Editora da Unicamp. 1991
FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1998
MAINGUENEAU, D. Doze conceitos em análise do discurso. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.
MUSSALIM, F. Análise do discurso. In. MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (orgs). Introdução à linguística; domínios e fronteiras.vol. 1.São Paulo: Cortez, 2000. p.101-142.

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