Entrevista com Marisa Lajolo

Professora das universidades Mackenzie e Unicamp fala sobre a história da literatura infantil no Brasil


     

Letra A • Quarta-feira, 30 de Março de 2016, 13:08:00

Por Natália Vieira

Quando e em que contexto a literatura infantojuvenil chega ao Brasil? Quais agentes contribuem para isso?

Começa-se a pensar em literatura infantil  no mundo ocidental por volta do século XVII, XVIII . Datam destes remotos tempos as Fábulas  de La Fontaine, As aventuras de Telêmaco , os contos de Grimm e de Perrault. Parece também que estes livros tinham outros leitores, além de crianças .  Vale observar – a propósito, por exemplo, de  As aventuras de Telêmaco  (de Fenelon) uma curiosidade:  o protagonista – Telêmaco – é filho de Ulisses, o herói da Odisseia (de Homero).  Não lembra um pouco o recurso presente na história das filhas das princesas  que protagonizam o nosso contemporâneo  Ever after high?  Até o final do século XIX era muito esporádica  circulação de livros infantis no Brasil . 

 

Como a literatura infantojuvenil no Brasil passa a ter produções realizadas no país?

Costuma-se assinalar o ano de 1894 – data da publicação de  Contos da Carochinha  ( de Figueiredo Pimentel) como a data de início da produção brasileira de livros para crianças e jovens, muito embora um pouco antes o educador Carlos Jansen tenha se dedicado a traduzir e adaptar clássicos europeus para o público brasileiro. Ou seja, não é monopólio de nossos dias a presença de traduções e adaptações nas mãos de jovens leitores, não é mesmo?  

 

Como se dá hoje a relação entre literatura  para crianças e jovens e escolas/educação no Brasil?

A escola é, sem dúvida, até hoje, a grande propagadora da literatura infantil.  Há algum tempo o governo vem fornecendo às escolas acervos para bibliotecas e salas de leitura.  Muitas vezes – para o bem e para o mal-  a leitura literária faz parte dos deveres e de eventos escolares . Escritores visitam escolas e alunos escrevem cartas  para os autores dos livros que leem.  Além disso, parte considerável da produção contemporânea é muitas vezes inspiradas pelos temas transversais , o que  - perigosamente- aproxima o livro literário do livro didático. Veja só: desde Monteiro Lobato, o mercado escolar foi irresistível para escritores infantis: vale a pena ler, por exemplo, Aritmética da Emília  e  Emília no país da gramática.  Divertidíssimos!

 

Existem fases na literatura infantojuvenil no Brasil? Se sim, quais e como cada uma é caracterizada?

Dividir qualquer literatura em fases não é considerado – em estudos literários mais contemporâneos-  perspectiva muito produtiva.  No livro meu e de Regina Zilberman, publicado em 1982,  tentamos fazer uma aproximação entre “ períodos” consagrados na história da  literatura brasileira  e a produção infantil.  O resultado foi o livro Literatura infantil brasileira (história e histórias).

 

Que mudanças significativas aconteceram na literatura infantojuvenil brasileira nos últimos 30 anos?

Nos últimos anos a literatura brasileira voltada para crianças e jovens é o gênero de literatura brasileira mais reconhecido no exterior, de maior sucesso entre leitores e  cuja produção só perde, em volume, para a produção do livro didático.  Este tempo marca-se – além da presença de temática e linguagem bastante articuladas com a contemporaneidade-   um espetacular desenvolvimento da dimensão visual dos livros. Não por acaso, o Brasil por três vezes recebeu o maior prêmio internacional para o gênero: Lygia Bojunga Nunes, Ana Maria Machado e Roger Melo foram contemplados com o prêmio Hans Christian Andersen. Não é pouco!

 

Considerando as novas formas de ler, que projeções você faz  para o futuro da literatura infantil e juvenil  no Brasil?

A inclusão da categoria  livro infantil digital  no Prêmio Jabuti de 2015 parece sinalizar o caráter pioneiro dos livros brasileiros para crianças na utilização da linguagem digital. Não creio que o ebook  vá acabar com o livro impresso.  Aposto na coexistência de ambos . E também ocorre o inverso:  certos livros infantos impressos tematizam e textualizam  elementos do mundo dos e-mails e outros recursos do mundo digital.  Ou seja : a literatura infantil  brasileira é poliglota!