Magda Soares responde


     

Letra A • Terça-feira, 22 de Dezembro de 2015, 15:39:00

Existe muita cobrança dos pais e até de outros professores para que os alunos saiam do 1º ano alfabetizados. Sendo assim, ao final do 1º ano, todos os alunos devem estar alfabetizados?

Poliana Adelize Antoniazi Redondo –E. M. João Seber - 1º ano

Torrinha - SP

 

Tenho alunos que ainda não estão alfabetizados. O que fazer?

Cristiana Maria da Silva – E. M. Vereador Dormelino de Souza - 1º ano

Campo Florido – MG

A alfabetização é um processo contínuo, em que não é possível definir uma linha de corte e dizer: “aqui, nesse momento, esta criança está alfabetizada”. Isso vai depender do conceito de alfabetização que se adota. Se a criança está alfabética, na terminologia da psicogênese, ou seja, se ela descobriu que se escreve com letras e que as letras representam sons, pode-se considerar essa criança alfabetizada? É pouco, mas pode-se considerar. Isso acontece, em geral, no 1º ano, ou mesmo no fim da Educação Infantil, caso essa etapa tenha trabalhado sistematicamente não propriamente a alfabetização, mas tenha orientado e incentivado o processo progressivo de compreensão da escrita pela criança. Essa ideia de que no fim do 1º ano as crianças têm que estar alfabetizadas é uma ideia mais do senso comum do que propriamente de teorias de alfabetização e até mesmo das políticas públicas. As políticas públicas determinam que, ao fim do 3º ano, aos 8 anos de idade, a criança deve estar alfabetizada, isso significando que ela já seja capaz de escrever e ler pequenos textos e que leia com razoável fluência. Essa definição é fundamentalmente política, e se orienta pelo critério de atendimento às demandas sociais básicas de domínio da leitura e da escrita.

O mais importante, para responder a essas perguntas, é que não há possibilidade, do ponto de vista conceitual, de definir um ponto preciso em que a criança esteja alfabetizada. Como a alfabetização é um processo contínuo, há crianças que estão alfabetizadas, no conceito que as políticas propõem, já no 1º ano; outras, no 2º ano; outras só quando chegam ao 3º ano. E há as que demoram ainda mais tempo. É um processo muito complexo e muito abstrato aprender a língua escrita, depende de muitos fatores que atuam de forma diferente sobre as crianças.

 

Qual seria a melhor estratégia para que os alunos de melhor desempenho na leitura avancem e ao mesmo tempo os demais, que ainda não consolidaram o processo de leitura, possam alcançá-lo?

Leni Aparecida Pereira Almeida – E. M. Eva Adeilda de Oliveira Almeida - 1º ano

Engenheiro Navarro – MG

 

Hoje em dia é dito que devemos respeitar cada criança em seu tempo de aprendizagem, mas como equacionar isso numa sala de aula durante as atividades?

Claudia Cardamone - E. R. Profª Avani da Silva Santos - 1º ano

Paulo Lopes – SC

Realmente, toda professora alfabetizadora encontra na sua turma alunos em níveis diferentes no processo de descoberta do que é a escrita alfabética. Mesmo depois que todos já se tornaram alfabéticos, ainda há alunos que já estão lendo com mais fluência, outros com menos, os que já conseguem escrever uma sentença, outros que ainda não chegaram aí. O mais importante é que a alfabetizadora conheça muito bem o processo de aprendizagem da língua escrita pela criança, sob vários aspectos: do ponto de vista da psicogênese, do ponto de vista da psicologia cognitiva, e do ponto de vista linguístico; que compreenda que a criança está aprendendo um objeto linguístico que tem características específicas. Se a professora conhece bem isso, ela é capaz de orientar a criança, de detectar em que ponto cada criança está e que interferência pode ou deve fazer para que cada uma avance. Ao compreender o processo, a professora se torna capaz de encontrar soluções e vai saber o que fazer com cada aluno, com cada grupo de alunos. E são vários os procedimentos para trabalhar com grupos. Uma possibilidade é dar atividades para alguns grupos enquanto a professora trabalha com outro, sem deixar de passar de grupo em grupo. Ou reunindo num mesmo grupo alunos em diferentes níveis, de modo que os mais adiantados impulsionem e ensinem os colegas. São procedimentos vários para diferenciar a alfabetização para alunos que são diferentes e avançam em ritmos diferentes. Mas insisto que o mais importante é a alfabetizadora conhecer o processo de desenvolvimento e de aprendizagem da criança, e como se organiza o sistema de representação que é esse objeto linguístico, a língua escrita, para que possa articular esses conhecimentos com os níveis dos alunos e trabalhar com segurança as diferenças.

 

Em relação à meta do governo federal, de alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3º ano do Ensino Fundamental, os alunos com dificuldade de aprendizagem também estão incluídos?

Ana Célia de Araujo Arantes Batista –N. E. M. Antonio Pereira dos Santos – 3º ano

Nova Olinda – TO

 

Quando a política pública estabelece que todas as crianças devem estar alfabetizadas no máximo até o 3º ano, é interessante observar que, na legislação, no Plano Nacional de Educação, a expressão é “no máximo até o 3º ano”. Ou seja, é possível que seja antes disso. Mas aqui entra de novo o que eu já disse ao responder a perguntas anteriores: o que está se entendendo por uma criança alfabetizada? Qual é o conceito de alfabetização que está presente aí? É um problema em nosso país o fato de que o que vem determinando o que é uma criança alfabetizada no 3º ano é a prova de Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA). O que a ANA avalia acaba sendo a visão que a política pública tem do que é uma criança alfabetizada: uma criança capaz de responder àquela prova. Mas será que é isso mesmo? A definição teria que partir não de uma prova, mas de uma reflexão teoricamente fundamentada, cuidadosa, sobre quais os comportamentos, habilidades e conhecimentos que a criança deve ter no 3º ano para que se possa considerá-la alfabetizada. Aqui entra a questão da Base Nacional Comum Curricular, atualmente em discussão, que tem o objetivo, entre outros, de definir o que se espera que as crianças tenham atingido, ao final do 3º ano, como conhecimentos e habilidades na área da aprendizagem da leitura e da escrita. E aí, sim, as avaliações externas avaliariam aquilo que foi definido na Base Nacional Comum, aquilo que orientou os alfabetizadores em seu ensino.

Mas a pergunta menciona, com toda razão, que há crianças que chegam ao terceiro ano num ponto do processo de alfabetização diferente das outras: são aquelas consideradas com ‘dificuldades de aprendizagem’. Eu costumo dizer que, mais frequentemente, são “dificuldades de ensinagem”... já que frequentemente ocorrem porque alfabetizadoras, não tendo um pleno domínio do processo de aprendizagem da criança, não sabem como ajudá-la a tempo. Há crianças que ficam para trás, e não são acudidas naquilo que precisam ser acudidas. Há inúmeras sugestões nas resoluções, nas leis, nos decretos de conselhos estaduais e federal de que, desde o primeiro momento em que se identifica que a criança tem dificuldades, já se tem de dar uma atenção especial a ela. O que é, em tese, muito bom, mas as escolas públicas não têm tido condição de dar esse atendimento pessoal. Consequência: as crianças têm ido para a frente sem condições para isso. 

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