Magda Soares responde


     

Letra A • Terça-feira, 22 de Dezembro de 2015, 15:27:00

 
Perguntamos a alfabetizadores de escolas públicas brasileiras: “Qual é sua maior dúvida ou dificuldade na hora de alfabetizar?” Mais de 80 perguntas chegaram, enviadas de 15 estados brasileiros. Selecionamos 20 para esta entrevista especial, que comemora o 10º ano do Letra A. Quem responde é a educadora Magda Soares, fundadora do Ceale e professora emérita da Faculdade de Educação da UFMG, que foi a primeira entrevistada do jornal, lançado em 2005.
 

No começo de dezembro, Magda Soares recebeu nossa equipe em sua casa, após ter finalizado o livro Alfabetização: a questão dos métodos, que será lançado no próximo ano pela Editora Contexto. A entrevista foi editada pelo jornalista Vicente Cardoso Júnior.

 

Na hora de organizar o espaço físico da sala de aula, sempre me pergunto quais materiais seriam indispensáveis e auxiliariam em minha rotina escolar, sem causar poluição visual.

Uana Tereza Amaral de Araújo – E.M. Waldir Ferreira Mendes –1º, 2º e 3º anos

Ferreira Gomes – AP

Há alguns materiais que são, sim, indispensáveis, por duas razões: primeiro porque introduzem a criança na cultura da escola e, segundo, porque a introduzem no contato com a língua escrita. Quais são esses que introduzem a criança na rotina escolar? Pela primeira vez, ela tem contato com isso que se chama ‘chamada’. Então, um material na sala de aula para o controle diário da professora e dos alunos é importante: um cartaz ou outro suporte em que a criança veja a ‘chamada’, participe dela, e já vá se acostumando com a escrita dos nomes. Outro aspecto é que, quando a criança entra na cultura da escola, tem que aprender uma série de comportamentos que são próprios daquele ambiente. Por exemplo, não falar ao mesmo tempo que outros, pedir licença para falar: são os chamados ‘combinados’. É interessante que isso fique escrito na sala de aula, para que a professora possa se remeter aos combinados sempre que for necessário. E é interessante também para as crianças observarem que o que elas sugeriram oralmente a professora registra sob a forma de escrita.

Um terceiro material importante é o alfabeto inteiro na sala de aula. De princípio, a criança ter as letras diante dela é importante para que vá se habituando com essas formas. O conhecimento do significado, do valor, do que as letras representam, virá aos poucos e progressivamente. Também é importante pensar a localização dos materiais escritos na sala de aula. Por exemplo, é muito frequente o alfabeto, por falta de espaço, ser colocado lá no alto, em cima do quadro de giz; então a criança olha as letras de baixo para cima e tem uma visão um pouco distorcida. Todos esses materiais, quanto mais ficarem na altura da visão das crianças, melhor. Por outro lado, é preciso evitar mesmo, como diz a pergunta, excesso de materiais em volta da criança, criando ‘poluição visual’, dispersando a atenção da criança. Há materiais que devem estar permanentemente na sala, porque são usados diariamente ou com muita frequência: os citados acima – a lista dos alunos, os ‘combinados’, o alfabeto, o calendário, atualizado diariamente... a maioria, porém, são materiais que ocupam a sala provisoriamente, enquanto são desenvolvidas atividades baseadas neles.

 

Minha maior dificuldade é fazer com que o aluno reconheça a letra.

Sabrina Ramos da Silva – E. M. Amélia Schemes

1º ano / Gravataí - RS

                                                                              

Minha maior dificuldade é fazer com que os alunos reconheçam as letras do alfabeto. Este é o processo mais demorado na minha opinião... Eles sentem muita dificuldade em memorizar as letras maiúsculas e minúsculas.

Marivane Pereira Borges -  E.E. XV de Novembro - 3º ano

Tocantinópolis – TO

 

O que significa reconhecer a letra? Há vários aspectos nisso. É preciso que a criança reconheça que as letras são usadas para visualizar a fala. Quando a professora fala “vou escrever aqui essa parlenda que nós cantamos”, a criança vai reconhecendo as letras como algo que representa o som das palavras.

Mas ela tem de reconhecer as letras também enquanto um conjunto de traços e círculos, que são arbitrários. A criança, quando olha o material escrito, vê uma variedade de sinais, e precisa distinguir o que é letra e o que é outra coisa. O trabalho com o nome das crianças também ajuda muito. A criança que se chama Maria, na hora em que escreve seu nome, vê que escreve cinco letras e que a outra, que se chama Mariana, escreve mais letras, e ainda observa que a primeira letra dos dois nomes é igual, a primeira sílaba também.

Outra questão interessante é que, para a criança, no primeiro momento, a letra é um objeto como qualquer outro. Mas os objetos são simétricos:  se você vê uma xícara com a asa para o lado de cá e a boca para cima, é uma xícara. Você pode virar para o outro lado, continua sendo uma xícara. A letra não é assim. Se você toma um ‘p’ minúsculo, vira para o lado, vira um ‘q’, vira para cima, vira um ‘d’. Para a criança, é difícil desconsiderar a simetria dos objetos. As letras não são simétricas.

Começa-se a alfabetização sempre, em geral, com as letras maiúsculas, porque elas são mais fáceis para a criança traçar. E elas são independentes uma da outra: a criança vê cada letra, o que não acontece na cursiva, em que as letras ficam emendadas. Mas a minúscula não pode ser deixada de lado, porque a escrita é quase toda em minúscula; a maiúscula é para certos casos. Então a criança tem que se habituar também a fazer essa relação da maiúscula com a minúscula. É interessante que o alfabeto que fica exposto na sala de aula tenha a letra maiúscula e a letra minúscula, e ao mesmo tempo algum desenho, alguma figura, cujo nome comece com aquela letra, portanto, com o fonema que a letra representa. Porque aí a criança já vê três aspectos das letras: por exemplo, primeiro, vê a letra ‘D’ maiúscula; também vê que a letra ‘d’ minúscula é completamente diferente; e tem ainda o desenho de um objeto em que a letra inicial é o D e, ao dizer o nome do objeto, percebe o fonema que essa letra representa. A professora deve sempre destacar a sílaba inicial, para a criança identificar na sílaba o fonema que a letra representa. E não errar, porque costuma-se ver, nas salas de aula e até mesmo em livros de alfabeto, a figura de um anjo como exemplo de palavra que começa com a letra ‘A’, quando em ‘anjo’ o fonema representado não é o ‘A’ oral, mas o fonema /ã/, o ‘A’ nasal; o mesmo se pode dizer de ‘índio’ para ilustrar a letra I, ou ‘onça’ para ilustrar a letra O, etc. 

CONTINUE LENDO

Magda Soares responde - parte 2

Magda Soares responde - parte 3

Magda Soares responde - parte 4

Magda Soares responde - parte 5