Libras em turmas comuns

Ensinar a língua de sinais e o português paralelamente é a melhor maneira de incluir o aluno surdo – e traz benefícios também para as crianças ouvintes


     

Letra A • Sexta-feira, 15 de Maio de 2015, 15:16:00

Por Leíse Costa

Quando falamos da inclusão do aluno surdo em turmas comuns, na maior parte das vezes, falamos de apenas um em meio a dezenas de ouvintes. Ao receber sua primeira aluna surda, em uma turma da Escola Municipal de Educação Infantil Paraíso da Criança, em Horizontina (RS), a professora Alessandra Franzen descartou a possibilidade de restringir a ela o ensino da Língua Brasileira de Sinais. Nessa turma, Alessandra decidiu inserir o ensino da Libras como primeira língua para a garota surda e como segunda língua para os colegas ouvintes. Era o início de um movimento que incluía a classe, a escola, a comunidade e os pais.

O primeiro passo foi conectar toda a turma com o universo da Libras. A professora convidou adultos surdos e fluentes em Libras para o primeiro dia de aula, e os alunos puderam entrevistá-los. A iniciativa aguçou a curiosidade dos alunos ouvintes e proporcionou à aluna surda um sentimento de identificação e de valorização da própria cultura. “Ela foi se descobrindo, porque, quando chegou à escola, ela não sabia que era surda, ela sabia apenas que não ouvia”, conta Alessandra. A diferença entre não ouvir e ser surdo, segundo a professora, está na identificação com a cultura surda e com a Libras como língua materna.

Primeira língua para surdos

Como a maioria dos surdos são filhos de pais ouvintes (cerca de 90%), a introdução à Libras costuma ter início tardio e lento. Na maioria das vezes, os pais preferem, inicialmente, investir na tentativa de oralizar a criança (ver Oralização), encaram a condição como um problema de saúde e sequer conhecem a Língua Brasileira de Sinais. A orientadora pedagógica Eliane Cristina de Oliveira, da Escola Municipal Maria Aparecida dos Santos Ronconi, em São José dos Campos (SP), ressalta que esse desconhecimento atrasa o desenvolvimento dessa criança. “O surdo é igualmente capaz e inteligente, só que o caminho para ele aprender é diferente. É a Libras primeiro”, afirma a orientadora da escola onde a Libras se tornou disciplina fixa nas turmas com alunos surdos.

No entanto, uma barreira se impõe de início: a grande maioria dos professores não sabe essa língua e, mesmo que comece a estudar, leva tempo para se tornar fluente. A professora Rosemary de Jesus Silva, que atualmente tem uma aluna surda no 6º ano da Escola Municipal Júlia Paraíso, em Belo Horizonte (MG), reconhece que, mesmo com seus conhecimentos em Libras e com a presença do intérprete em sala, sente que a comunicação com a aluna fica prejudicada. “Em um bate-papo, só eu e ela, sinto falta de vocabulário”.

Para avaliar a leitura de textos em português, outro desafio: “Como eu [ouvinte] vou saber se o surdo sabe ler?”. Rosemary conta que o caminho encontrado foi transferir a avaliação para aquela que é a primeira língua do surdo. “Com o texto em mãos, à medida que ia lendo, ela reproduzia em Libras”, relata. Por não ter fluência na língua de sinais, a professora decidiu gravar o exercício e, assim, pôde avaliar com mais cautela se a leitura e a interpretação da aluna estavam adequadas.

Segunda língua para ouvintes

Pesquisadora do Núcleo de Aquisição da Língua de Sinais, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Ronice Muller de Quadros ressalta que quem tem acesso à Língua de Sinais desde a infância, surdo ou ouvinte, desenvolve “capacidades visuais mais elaboradas e uma visão periférica mais ampla”. No caso da criança ouvinte, Ronice explica que a aquisição da Libras se inicia por um viés comum ao do aprendizado de outra segunda língua oral/escrita, como o inglês ou o espanhol: a curiosidade. “Ela vai começar a brincar com essa língua, criando contextos conversacionais para experimentar as situações em que a língua é usada”.

A professora Alessandra Franzen conta que conseguiu o envolvimento geral da turma sem precisar abandonar nada do que já realizava: “Comecei adaptando brincadeiras. Na dança da cadeira, por exemplo, em vez de música, nós usávamos luz”, explica. Outra adequação simples foi com a brincadeira do Elefantinho Colorido: enquanto tradicionalmente uma criança diz uma cor para que as outras toquem em algum objeto daquela tonalidade, na adaptação, a novidade foi fazer o sinal da cor em Libras.

Uma maneira muito eficaz de inserir a turma toda no universo do aluno surdo é pelo “batismo” na nova língua. Na cultura surda, cada pessoa possui o seu sinal de identificação, que pode ter a ver com alguma mania, uma característica física ou simplesmente outra referência que lembre a pessoa. Na sala, com um aluno surdo, é interessante propor que ele mesmo “batize” os colegas, junto com o professor, com sinais de significados agradáveis, pois vão se tornar a marca de cada um.