Por que uma Base Nacional Comum Curricular?
Letra A • Terça-feira, 22 de Dezembro de 2015, 14:28:00
Referência para o ensino e para a gestão
Com a Base, pretende-se deixar claros os conhecimentos fundamentais que precisam ser trabalhados em cada etapa nas grandes áreas do conhecimento e como desenvolvê-los em sala de aula.
A Base propõe que a interdisciplinaridade seja trabalhada cada vez mais. Assim, o documento preliminar – elaborado por uma comissão de 116 especialistas e 10 assessores – sugere mais claramente as possibilidades de diálogo entre os componentes curriculares. “Estamos agora em um processo de revisão do documento preliminar, que, dentre outras coisas, está mapeando as possibilidades de interdisciplinaridade mais próximas entre objetivos de aprendizagem de diferentes componentes curriculares em uma mesma etapa de escolarização”, explica Hilda Aparecida Micarello, coordenadora pedagógica da Comissão de Especialistas para elaboração da Base Nacional.
No caso de Ciências da Natureza, cada objetivo de aprendizagem vem acompanhado de um exemplo, sugerindo como aquele tema pode ser tratado. Para o professor Luiz Carlos de Menezes, assessor da área de Ciências da Natureza na comissão de elaboração da Base, esse modelo ajuda na hora de o professor trabalhar a interdisciplinaridade. “Não dá para pensar em termodinâmica, por exemplo, sem pensar primeiro na revolução industrial. A história da ciência é muito próxima da história econômica. E esses exemplos facilitam o diálogo”, afirma.
Nesse sentido, o papel da Base é sugerir e orientar, permitindo que as escolas tenham espaço para criar ações curriculares, respeitando as diversidades regionais e a autonomia do professor. Para Antônio Neto, secretário de educação do Estado do Rio de Janeiro e membro do Conselho Nacional de Secretarias de Educação (Consed), a Base é um documento estratégico para possibilitar a equidade entre os estudantes e uma maior organização do processo de aprendizagem no Brasil. “Estados que investiram em currículo estão conseguindo diminuir a desigualdade ou criar mais equidade dentro de uma rede”, afirma o secretário, que vai além: “o currículo permite estabelecer direitos de aprendizagem para todos. Isso é um ponto positivo. E, a partir de uma base, se consegue organizar todas as outras ações. Por exemplo, organizar as avaliações, organizar, inclusive, o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio], o acesso à universidade e o material didático.”
Críticas ao processo
Apesar de a criação de uma base comum estar prevista na Constituição e nas metas do atual Plano Nacional de Educação, com vigência a partir de 2014, e ser considerada necessária para muitas pessoas envolvidas no debate, é preciso seguir alguns critérios para respeitar a diversidade e a realidade brasileira, para que o documento não se resuma a uma lista de conteúdos e objetivos de aprendizagem.
Para a presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), Maria Margarida Machado, a qualidade da educação não está na padronização ou minimização de conteúdos, e sim “na capacidade de a gente trabalhar exatamente com a diversidade e poder enriquecer as práticas curriculares”. A Anped publicou um documento em que se diz favorável à criação de uma Base, mas manifesta-se contrária ao texto proposto até o momento. Para a Associação, a criação da Base como está sendo realizada não é um processo democrático: “A gente vinha realizando um debate desde o ano passado e ele foi atropelado. Estávamos trabalhando em uma concepção curricular – cujo pano de fundo eram as diretrizes curriculares nacionais – a partir de um debate mais coletivo e ligado aos direitos de aprendizagem”, enfatiza Maria Margarida. Para ela, a discussão da Base foi resumida a uma lista de conteúdos que irão definir quais conhecimentos têm de ser ensinados e aprendidos. “E a nossa intenção é fomentar o debate, é contribuir para que as pessoas possam começar a questionar esses procedimentos e concepções que estão apresentados no documento”, destaca.
Santer Alvares de Matos, diretor do Centro Pedagógico (CP) da UFMG, considera um problema a ausência de explicitação dos critérios adotados para a seleção dos objetivos de aprendizagem. “Pensando-se em tudo o que a Ciência pode ensinar para uma criança e um adolescente no Ensino Fundamental, por exemplo, teríamos o currículo máximo. Desse total, eu tenho que selecionar apenas uma parcela para a Base. Quais foram os critérios? Qual era o currículo máximo? Por que a outra parcela foi excluída? Isso não está claro no documento”.
Ao pensar no critério de relevância e pertinência, o documento preliminar enfrentou as questões de seleção que toda decisão curricular apresenta, entre elas, a consulta às propostas curriculares dos estados e municípios. “Se a gente diz na apresentação geral da Base que a forma de pesquisa para um embasamento teórico e metodológico foi a consulta a esses documentos, a nossa intenção é deixar claro de que forma foi feita essa indicação”, comenta a assessora do componente curricular Geografia na comissão de elaboração da Base, Marisa Valadares. Para ela, “o resultado das contribuições da consulta pública será o crivo dessa seleção. Ele vai validar ou não a seleção dos objetivos de aprendizagem”.
Desafios
Como a questão curricular é muito polêmica, deve haver uma preocupação em criar um consenso no país do que é viável e do que não é, para que a experiência da educação não acabe engessada nas escolas. Assim, além da consulta pública, os aspectos da diversidade que estados, municípios e escolas vão incorporar em seus projetos são instrumentos para alcançar o consenso e a diversificação. Para a primeira secretária da Sociedade Brasileira em Educação Matemática (SBEM), Solange Hassan, a Base deve ser levada adiante dentro de um conjunto de ações que olhe para a formação do professor, para a reformulação do material didático, para o replanejamento de carreira e para a reestruturação da escola: “a criação da Base não pode ser uma ação solitária. Ela precisa ser uma ação no meio de outras tantas ações. Senão, ela vai ser uma nova proposta em uma roupa velha”.
“Se for uma base extensa, conteudista e amarrada demais em componentes curriculares, a tendência dela é exatamente engessar um pouco não só as construções curriculares dos estados, como o próprio trabalho pedagógico das escolas”, afirma o secretário de educação do estado do RJ, Antônio Neto. Para ele, a definição de componentes por ano e o estabelecimento de muitos eixos por componente pode engessar muito a possibilidade de flexibilização curricular. “A ideia é que os estados sejam livres para organizar os seus próprios currículos”, concluiu. Antônio Neto ainda destaca que o modelo educacional que temos hoje no Brasil está baseado no desenvolvimento cognitivo, que seria um modelo atrasado. Para o membro do Consed, a Base ficou muito presa a isso, em vez de orientar como uma escola deve desenvolver determinadas competências que não são apenas cognitivas. “Hoje nós temos uma necessidade de desenvolvimento de competências de responsabilidades, de autogestão, de criatividade, de protagonismo juvenil, e o currículo das escolas não está preparado para trabalhar isso de forma intencional.”
Assessores que participaram da formulação da Base indicam que o texto preliminar apresenta horizontes que vão além das habilidades, ao supor ações que ocorrem em práticas sociais e que envolvem questões de cidadania, posturas investigativas e formação ética e estética.“[No componente curricular Geografia,] podemos encontrar explicitamente em um dos eixos um agrupamento de objetivos que tem a intenção de desenvolver habilidades, atitudes, procedimentos e cognição relativa a exatamente esses tópicos: como as crianças vão ser mais cuidadosas consigo, com o planeta e com o outro. Implica todo o tipo de responsabilidade que, sob um prisma geográfico, eles terão que desenvolver”, comenta a assessora Marisa Valadares, que complementa: “esse e outros eixos implicam estabelecimento, desenvolvimento e estímulo das aptidões criativas e críticas do aluno”.
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Por que uma Base Nacional Comum Curricular? - parte 1