10 anos da Lei da universalização das bibliotecas
Completado em 2020 o prazo estipulado para o cumprimento da Lei 12.244, há propostas de adiamento do período máximo e críticas ao que foi proposto em 2010
Letra A • Sexta-feira, 06 de Agosto de 2021, 15:31:00
Por Fernanda Tubamoto e Natália Vieira
Em maio de 2010, foi sancionada a Lei n. 12.244, que dispõe sobre a universalização das bibliotecas nas instituições de ensino do país, decretando que estas deveriam “investir em esforços progressivos” para que, dentro de um período máximo de 10 anos a partir da vigência da lei, cada instituição tivesse um acervo de livros na biblioteca de, no mínimo, um título para cada aluno matriculado. Entretanto, completados os dez anos de sua criação, a meta não foi cumprida. Segundo dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), 55% das escolas brasileiras não tinham ainda biblioteca ou sala de leitura ao final de 2018.
No mesmo ano, em fevereiro, as deputadas Laura Carneiro (DEM-RJ) e Carmen Zanotto (PPS-SC) criaram o Projeto de Lei (PL) n. 9484/2018, com a proposta de modificar o conceito de biblioteca da Lei n. 12.244 e criar o Sistema Nacional de Bibliotecas Escolares (SNBE). Na redação final do PL aprovado na Câmara dos Deputados em 2019, foi proposta a prorrogação do prazo final para o cumprimento da universalização para 2024, último ano de vigência do atual Plano Nacional de Educação (PNE). Atualmente o PL está em tramitação no Senado Federal (PL n. 5656/2019).
Em agosto de 2020, foi criado outro Projeto de Lei (n. 4401/2020) pela deputada Professora Dayane Pimentel - PSL/BA, propondo o adiamento do prazo para a universalização para 2022 e o acervo mínimo para cada biblioteca escolar de 2500 títulos, para garantir que mesmo as escolas pequenas ofereçam opções suficientes para o desenvolvimento dos alunos. Para a autora do PL, o adiamento é necessário em função da pandemia da covid-19.
Proposição insuficiente...
A incrementação de propostas dos Projetos de Leis em relação à Lei n. 12.244 indica uma possível superação do que foi definido dez anos atrás. Na conceituação da lei de 2010, a biblioteca escolar é “a coleção de livros, materiais videográficos e documentos registrados em qualquer suporte destinados a consulta, pesquisa, estudo ou leitura”.
Para o Projeto de Lei 9484/2018, esse espaço é o “equipamento cultural obrigatório e necessário ao desenvolvimento do processo educativo” e tem diversos objetivos, como disponibilizar e democratizar informação, promover habilidades e constituir-se como espaço de recursos educativos. Na visão da deputada Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), que foi a relatora do PL na Câmara dos Deputados, a definição da lei de 2010 é inadequada, pois reduz a biblioteca a uma “mera coleção de acervos”. Outro problema levantado, este pela autora do PL Laura Carneiro, é que a legislação, em sua opinião, “é ineficaz por não prever penalidade ou sanção àqueles que descumprirem as regras, além de não apontar qual ente federativo seria responsável pela implantação de bibliotecas nas escolas.”
Para compensar a falta de diretriz em nível federal para o cumprimento da lei, foi criada em 2012 a campanha “Eu quero minha biblioteca”, que busca, desde então, compartilhar informações com gestores públicos e sociedade civil pela universalização de bibliotecas em escolas. A campanha já criou um guia para gestores públicos de como implementar e manter bibliotecas com recursos públicos.
A professora do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET/MG) Fabíola Ribeiro Farias, que já foi Diretora de Ações de Incentivo à Leitura da Superintendência de Bibliotecas Públicas da Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais e Gerente de Coordenação de Bibliotecas e Promoção da Leitura da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte, afirma que a Lei 12.244 foi “absolutamente ignorada” de um modo geral e defende que “uma lei como essa sem investimento público não serve pra nada”.
Fabíola aponta que, na disposição da lei, não há preocupação com um projeto pedagógico a respeito do que será feito na biblioteca. “Na realidade, essa é uma lei do lobby do Conselho Federal de Biblioteconomia (...). Nela, a biblioteca é um espaço com alguns livros e é tudo muito sem parâmetro, não tem justificativa para nada. É o que chamamos na Ciência da Informação e na Biblioteconomia de paradigma gráfico: é o livro e o bibliotecário, e não importa o que está no entorno. A escola vira um entorno para a biblioteca e a biblioteca não faz parte da escola”, diz. “Está escrito [na lei] que os sistemas de ensino devem se esforçar para cumpri-la, mas uma lei tem que ser cumprida; não tem que se esforçar para cumpri-la. Não é uma questão de esforço, mas sim de investimento e compromisso.”
Para Fabíola, a Lei foi mal formulada, sem levar em consideração um setor muito importante para sua execução: a educação. “Nessa época [em que a Lei 12.244/10 entrou em vigor], eu conversei com muitas pessoas que trabalhavam com políticas públicas de educação, e a educação não foi chamada, não foi ouvida na concepção de uma Lei de biblioteca escolar”, afirma ela. A professora do CEFET-MG acrescenta que, em pesquisas sobre bibliotecas escolares, muitas vezes a perspectiva da Biblioteconomia é focada em questões técnicas, sem estabelecer diálogo com a educação, e no currículo dos cursos de pedagogia há muita preocupação com a leitura e com a formação de leitor, mas existem poucas pesquisas que se dedicam à biblioteca escolar.
“[A lei] não pensou a questão de uma maneira ampla que envolvesse a parte objetiva, que é ter o espaço, o mobiliário, o acervo, o profissional”, resume Fabíola. Para ela, a presença do bibliotecário é “importantíssima”, mas esse profissional, em sua opinião, precisa ser comprometido com o trabalho educativo. “O bibliotecário não pode ser só o profissional que processa e que cadastra o livro e que o coloca na estante. Numa biblioteca escolar, a gente espera muito mais dele.”
Ou pontapé inicial para mudanças maiores?
Apesar dos pontos levantados, Fabíola considera positiva a existência da lei. “Uma lei como essa é melhor do que lei nenhuma, porque, em alguma medida, ela pautou em recurso orçamentário”, acredita. Na realidade de Geisy Moraes, bibliotecária há quase 18 anos da Escola Municipal Professor Milton Lage, em Belo Horizonte (MG), a lei teve efeitos positivos, em sua opinião.
Geisy destaca que a gestão do atual prefeito de Belo Horizonte transformou o setor de bibliotecas em uma gerência dentro da Secretaria de Educação, chamada Gerência de Bibliotecas Escolares, que criou a rede municipal de bibliotecas escolares em Belo Horizonte. “Todas as escolas da Prefeitura [do Ensino Fundamental] têm biblioteca escolar. Todas elas. Não é uma, duas, trinta, cinquenta. São quase 200. É uma rede muito grande (...) e é reflexo da [Lei] 12.244/10. Claro que vai demandar um tempo para que isso se cristalize, mas já é um ganho”, comenta Geisy.
A bibliotecária conta também que há um processo de automatização em andamento na rede de Belo Horizonte, com a criação de um sistema digital através do software Pergamum, utilizado em diversos sistemas de bibliotecas. “É uma forma de você equalizar, padronizar, porque todo mundo tem acesso. Você pode ter acesso pelo telefone, por um computador, em um computador da escola, no laboratório”, defende. Em sua opinião, o acesso facilitado de informações entre os catálogos das bibliotecas da rede auxilia a colocar as bibliotecas em um mesmo patamar.
Outra realização recente na prefeitura de Belo Horizonte foi o trabalho de indexação do material infanto-juvenil das bibliotecas. “Nós juntamos uma equipe de bibliotecários e indexamos esse material. Eu acho que isso fez uma enorme diferença na nossa base. E isso tudo é reflexo dessa lei, porque se a gente não tivesse um grupo administrativo muito atencioso e a força legal, a gente não conseguiria verter nem trabalho e nem a mão de obra pra que isso pudesse acontecer”, acredita.
Apesar da importância da lei como estímulo, Geisy pondera que há muitas questões ainda a serem adequadas na rede em que trabalha e aponta que a ação dos gestores também é essencial para a realização de mudanças. “A gente está tentando ampliar as bibliotecas. A minha biblioteca tinha 50m², agora ela tem 102m²! E isso você não consegue fazer só por gosto. Você precisa sensibilizar os diretores, que são quem administra a escola local, e você precisa ter o apoio administrativo.”