A construção das práticas docentes em alfabetização por professoras que assumem turmas do 1º ano do ensino fundamental pela primeira vez

Em Formação | Letra A 56


     

Letra A • Quarta-feira, 26 de Outubro de 2022, 01:45:00

 
Por Regina Aparecida Correa*
 
Como as professoras constroem a prática docente, no que se refere ao processo de ensino e aprendizagem da língua escrita, quando lecionam pela primeira vez em turmas do 1º ano do ensino fundamental?
 
Essa é uma das perguntas que norteiam uma pesquisa de doutorado que está sendo desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social, da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, sob orientação do Prof. Júlio Emílio Diniz Pereira e coorientação da Profa. Sara Mourão Monteiro.
 
O objetivo do referido estudo é analisar a construção das práticas docentes em alfabetização por professoras que assumem pela primeira vez turmas do 1º ano do ensino fundamental, pelas razões que serão apresentadas no decorrer desse texto, mas esclarecendo que não há intuito de reforçar a ideia de que a alfabetização ocorre exclusivamente no 1º ano.
 
O interesse por investigar a temática desta pesquisa se iniciou em 2012, a partir da minha experiência como professora alfabetizadora. Ao lecionar pela primeira vez para uma turma de 1º ano do ensino fundamental, após trabalhar com uma turma de 2º e uma de 3º ano, em momentos distintos, me deparei com uma série de questionamentos, tais como: O que fazer? Como fazer? Como orientar a minha prática? Por onde começar? Quais conteúdos trabalhar? 
 
Alguns dos questionamentos citados acima também estavam presentes nos momentos em que trabalhei com as turmas do 2º e do 3º ano. Todavia, boa parte dos estudantes já havia compreendido o funcionamento do sistema de escrita alfabética (SEA), o que, de alguma forma, atenuava as angústias vividas. Mas, o mesmo não ocorreu ao lecionar para a turma de 1º ano, pois a maior parte dos discentes estava nos níveis iniciais de conceitualização da escrita. 
 
Na época, me chamou a atenção o fato de as dúvidas mencionadas serem comuns a outras professoras que também assumiram turmas de 1º ano pela primeira vez e o fato de algumas docentes que trabalhavam com essas turmas serem iniciantes. 
 
É importante mencionar que o 1º ano do ensino fundamental é o início formal do processo de alfabetização. É um momento em que as crianças vivem processos complexos de desenvolvimento e aprendizagem que demandam uma expertise em seu acompanhamento, uma vez que envolvem conhecimentos de áreas distintas que compreendem o ensino da fase inicial da aprendizagem da escrita.
 
Além das especificidades do 1º ano mencionadas, é relevante assinalar que as turmas de primeiro ano são conhecidas como classes difíceis na cultura escolar em razão do desafio de alfabetizar as crianças.  Isso faz com que essas turmas sejam delegadas, muitas vezes, às professoras iniciantes, recém-formadas, com pouca ou nenhuma experiência profissional, que assumem as turmas que os docentes mais experientes não querem. 
 
Aliada aos fatores explicitados, está a formação da professora que assume turmas do 1º ano do ensino fundamental. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a formação de professores para atuar na Educação Básica será realizada em nível superior, em cursos de licenciatura plena, sendo admitida para o trabalho na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental a oferecida em nível médio, na modalidade Normal. Contudo, cumpre-se perguntar se estes cursos estariam, de fato, formando a professora para trabalhar com as turmas de alfabetização. 
 
O Curso de Pedagogia, por exemplo, habilita o professor para trabalhar em diversas áreas: no exercício do magistério na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, em cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, na Educação Profissional, em outras áreas em que sejam necessários conhecimentos pedagógicos, além da participação na gestão e organização dos sistemas de ensino. 
 
Entretanto, habilitando o pedagogo para trabalhar em áreas tão diversas e com tantas especificidades, mesmo entre os anos que compõem uma determinada etapa, como a Educação Infantil ou os Anos Iniciais do Ensino Fundamental, seria possível formar a professora alfabetizadora? Qual a carga horária que tem sido destinada pelo curso para o trabalho com conteúdos relacionados à alfabetização e ao letramento? 
 
Um aspecto que corrobora com a discussão acerca da formação da professora alfabetizadora e que pode ser um indicativo da necessidade de investimento na formação dessas docentes é a quantidade de programas de formação continuada ofertados nos últimos anos. Apenas em âmbito federal, podemos citar três grandes programas: o Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (Profa), o Pró-Letramento e o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). 
 
Convém destacar que as questões relacionadas à formação das professoras alfabetizadoras, às especificidades que envolvem o início formal do processo de alfabetização e à escolha das docentes para assumirem as turmas do 1º ano do ensino fundamental são conhecidas empiricamente, mas as pesquisas sobre elas são ainda incipientes. Soma-se a isso, o fato de que a prática docente é um processo complexo, singular, heterogêneo, no qual confluem aspectos sociais, históricos e culturais, incidindo na necessidade de analisar a prática no lugar em que ela ocorre, a fim de observar como ela é constituída cotidianamente. 
 
Considerando os fatores citados, da pergunta principal, que inicia este texto, decorrem outras que auxiliarão na consecução do objetivo proposto: Ao assumir uma turma de 1º ano do ensino fundamental pela primeira vez, o que a professora faz? Como faz? Quais elementos estão presentes nas decisões que toma? Encontra dificuldades? Quais dificuldades? Quais as fontes buscadas? O que utiliza como suporte para a sua prática? Quais saberes são mobilizados? De quais saberes sente falta? Uma docente experiente passará por um processo diferente de uma professora iniciante ao trabalhar em uma turma de 1º ano do ensino fundamental pela primeira vez?
 
Em relação à metodologia, para a realização da pesquisa serão selecionadas duas professoras, uma iniciante e uma experiente, que exercerão o magistério pela primeira vez em turmas de 1º ano. A coleta de dados será realizada ao longo de 2022, por meio da observação da prática das docentes escolhidas, da realização de entrevistas no decorrer da observação e da análise dos seguintes documentos: materiais didáticos utilizados pela professora, tarefas e atividades desenvolvidas com os estudantes, planejamentos e planos de aula.
 
Por fim, ao tentar responder às perguntas explicitadas ao longo deste texto, o trabalho espera contribuir com as discussões do campo de pesquisa sobre docência e/ou formação de professores, especialmente sobre a formação da professora alfabetizadora. Ademais, espera–se compreender a emergência da docência em alfabetização e o impacto da experiência docente na construção da docência no 1º ano do ensino fundamental. 
 
*Mestra em Educação pela Universidade Federal de Ouro Preto e Técnica em Assuntos Educacionais na Pró-Reitoria de Graduação da Universidade Federal de Alfenas.