A criança e o mundo


     

Letra A • Segunda-feira, 05 de Fevereiro de 2018, 15:14:00

Por J. Pedro de Carvalho

A criança que se encontra no 4º ou no 5º ano, por sua vez, em seus 9, 10 ou 11 anos, se despede da infância nesse momento. Os professores já veem nesses alunos uma crescente maturidade, que lhes proporcionará a capacidade de assumir maiores responsabilidades. “Esse período é caracterizado por uma maior independência da criança. Ela vai ganhando uma progressiva autonomia e vai construindo estratégias mais elaboradas de lidar e significar o mundo”, explica Maria Cristina Gouvea, psicóloga e professora da FaE/UFMG. A pesquisadora ainda pensa que a infância não corresponde diretamente à idade de cada criança, e sim às experiências que aquele sujeito vivenciou. “Quando falamos em infância, devemos pensar que esse não é um período definido estritamente por uma faixa etária. A gente pensa a criança como um sujeito sócio-histórico-cultural e a experiência da infância vai ser vivida de maneira diferente [por cada uma], sendo determinada pelo contexto”, afirma Maria Cristina.

Essas crianças, ao estarem em contato com os instrumentos da escola, se desenvolvem enquanto estudantes e, da mesma maneira, desenvolvem suas identidades no contato com o mundo. Para Maria Cristina Gouvea, as experiências sociais que a criança vivenciou até o 4º ano, interagindo com outras no ambiente escolar, constituirão sua noção de mundo: “Ela, por estar na escola há mais tempo, tem uma capacidade maior de concentração e de recursos que lhe permitem indagar sobre o mundo, não apenas ancorada na própria experiência, mas entendendo isso no interior de experiências sociais mais amplas”.

Para Rildo Cosson, o mesmo pode ser dito da literatura, que oferece, nesse momento final do Fundamental I, ao apresentar diferentes universos, a possibilidade para a criança se afirmar e se descobrir enquanto indivíduo e enquanto leitora: “Quando ela tiver 12 anos, vai começar a aprofundar mais na leitura. A experiência literária que ela terá será encontrada na diversidade de textos e diversidade de temáticas, até porque é esse o momento em que a criança desenvolverá o gosto”. Para Clécio Bunzen, os livros didáticos voltados para o 4º e o 5º anos, em geral, também oferecem possibilidades de ampliação de universos, ao partirem de “uma concepção de uma criança urbana, curiosa e que teria interesse em descobrir e discutir uma gama de temas e questões que perpassam o cotidiano das crianças e dos adultos.” No entanto, o pesquisador também afirma que há limitações com relação a tais possibilidades. “Não existe uma infantilização das crianças e jovens, mas percebemos também que algumas temáticas ou problemáticas encontram-se ausentes, tais como o impacto das tecnologias na vida deles, questões sobre gênero social e sexualidade, o universo dos jogos eletrônicos, das canções e das mídias (filmes, séries, desenhos animados, etc.)”, conclui.

De modo a apresentar novos elementos para as crianças, as diferentes redes organizam estratégias para envolvê-las consigo mesmas, com os amigos, com a escola e com a cidade. “Conceitos como memória, pertencimento, tempo, território e historicidade, no 4º e 5º ano, serão consolidados”, diz Felipe dos Santos, a respeito de um projeto de Rio Grande que tem como objetivo promover visitas escolares aos museus da cidade. “É a cidade com maior número de museus no Brasil”, ele se orgulha. “As noções das ciências sociais serão desenvolvidas no 1º, 2º e 3º ano e nesse projeto toda a escola será mobilizada, mas especificamente o desenvolvimento do nosso patrimônio cultural e histórico e o conhecimento da nossa cidade está previsto para ser feito no 4º ano”, conclui. Goiânia, conta o secretário de educação Marcelo da Costa, tem projetos similares: “Além de todo o processo de letramento e de acompanhamento da parte pedagógica, [a partir do 4º ano] trabalhamos nos parques da cidade com núcleos de educação ambiental, de forma a fazer a educação extra-sala”.

O acesso à cidade propicia a percepção democrática de pertencimento a ela, uma vez que alguns grupos, até mesmo de crianças de 9 ou 10 anos, se veem excluídos do processo de aprender sobre o seu espaço, como diz Maria Cristina Gouvea: “Dependendo do grupo social, você terá uma restrição maior de circulação. Já entre as camadas populares, a criança sempre circulou e a rua sempre foi parte de sua experiência social, até porque os limites entre a rua e a cidade não estão tão postos”. Segundo ela, também para a escola, as atividades pedagógicas que explorem a cidade se tornam fundamentais para o currículo do segundo ciclo: “Há uma afirmação da escola de pensar a cidade como um direito da criança e [ao mesmo tempo] sair da referência de pensar a cidade como um espaço do perigo. Pensar a criança como cidadã.”

Parte 1 - Especial 4º e 5º: o momento de consolidar

Parte 2 - Especial 4º e 5º: professores e avaliações

Parte 3 - A leitura no segundo ciclo