A leitura no segundo ciclo


     

Letra A • Segunda-feira, 05 de Fevereiro de 2018, 15:02:00

Por J. Pedro de Carvalho

Outra questão que se coloca para o 4º e o 5º anos é quanto aos materiais a serem lidos e estudados. Clécio Bunzen, professor da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), que desenvolve pesquisas sobre livros didáticos, acredita que este é o segmento que está em menor enfoque nas políticas da Educação Básica. “O currículo para o 4º e o 5º anos parece-me sempre muito pouco discutido no Brasil. A atenção se volta muito mais para o ciclo de alfabetização e para os Anos Finais ou para o Ensino Médio”, diz. Ainda assim, Clécio destaca algumas especificidades das coleções de 4º e 5º anos (veja mais no quadro). “São coleções pensadas para um trabalho de ‘dois anos’, levando em consideração as aprendizagens realizadas no ciclo de alfabetização e a continuidade dos estudos nos anos finais do Ensino Fundamental. Elas procuram dialogar com uma criança ou um ‘pré-adolescente’, assim como um(a) professor(a) ‘polivalente’, que irá utilizar um livro didático não consumível”, afirma.

Língua e linguagem nos livros didáticos para 4º e 5º anos

No segundo ciclo, os livros didáticos sofrem transformações ligadas a seu aspecto gráfico e aos tipos de atividades propostas, pensando uma maior diversidade de gêneros textuais na abordagem aos alunos de 4º e 5º ano. “Percebemos que a seleção dos gêneros e das temáticas procuram ampliar as capacidades de leitura e de produção aprendidas anteriormente”, diz Clécio Bunzen.

Novos gêneros

Para Clécio, os livros passam a incluir a leitura de resenhas, artigos de opinião, artigos de divulgação científica e biografias, não tão comuns no ciclo de alfabetização. Sobre as temáticas, surgem algumas de cunho social “bem específicas, tais como discussões sobre ‘o uso da tecnologia’, ‘o excesso de lixo e suas consequências para o meio ambiente’, o ‘trabalho infantil’, ‘o cumprimento dos direitos humanos’ etc.”. Os novos textos (ligados às esferas jornalística, científica e literária) substituem aqueles de tradição oral e popular, comuns no ciclo de alfabetização: “Há uma aposta em um leitor mais extensivo, que lê textos maiores e com uma maior diversidade de gêneros”, diz Clécio.

Objetivos didáticos

Com a introdução de novos gêneros e temáticas, novas possibilidades de trabalho surgem, ligadas a outros componentes curriculares do 4º e do 5º anos, correlacionando textos que transitam entre as diferentes disciplinas. Outra característica das coleções didáticas para o segundo ciclo são as determinações sobre os conhecimentos linguísticos: “Há diversas seções didáticas que exploram ‘classes de palavras’, ‘pontuação’ e ‘irregularidades ortográficas’ ou ‘elementos coesivos’”, afirma Clécio Bunzen. Para ele, “há um trabalho mais intenso com o uso de metalinguagem, aproximando-se das coleções dos anos posteriores”.

Quando se trata da literatura, tanto a escolha quanto os usos atendem a requisitos diferentes: “Eu não gosto de pensar que a leitura literária sirva para formar o leitor, embora essa seja a grande razão da sua presença na escola”, diz o pesquisador do Ceale Rildo Cosson, que foi coordenador de avaliações do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE). “O que acontece normalmente: há uma ênfase muito grande nos anos iniciais sobre o domínio do código, e isso faz com que se produza uma ênfase sobre as leituras literais. Uma questão que a escola precisa enfrentar é como ensinar o código sem enfatizar a literalidade”. Rildo prossegue, com um exemplo: “Às vezes a criança diz: ‘eu não sei ler’, por timidez, porque ‘eu não sei ler em voz alta’. E como a escola investiga se aquela criança sabe ler? Fazendo ela ler em voz alta e decifrar o código”. Rildo propõe uma série de tipos de leitura que podem ser explorados no 4º e no 5º anos, ampliando as possibilidades de relação com a escrita (veja quadro a seguir). “Nessa idade, como a criança já está alfabetizada, já domina o código e é capaz de manipular a escrita, ainda que de uma maneira não consolidada, a literatura oferece diferentes registros e aumenta na criança a percepção dos muitos usos da escrita”, diz Rildo.

Em Eusébio (CE), por meio do projeto Vem Ler Comigo, que fornece um kit de livros paradidáticos para cada aluno a partir do 1º ano do Fundamental, Acilegna de França conta como a leitura já toma novos contornos para alunos que estão no 4º ano: “Da base criada desde o 1º ano, quando começa o projeto, eles já formam a desenvoltura leitora, estando prontos [no 4º ano] para as leituras em sala, para uma melhor interpretação do texto e para debates”. Segundo Acilegna, por meio do Vem Ler Comigo, que disponibiliza um livro a ser lido a cada mês, a partir do 4º ano a leitura se desdobra em outros tipos de ações, que mobilizam toda a escola: “Eles fazem a leitura mensal e saem para a escola com a sua experiência de vida com aquele livro: organizam uma exposição, que pode ser feita com reconto, através da pintura ou de uma dramatização”.

Possibilidades literárias no 4º e no 5º anos

O pesquisador Rildo Cosson sugere quatro tipos de leitura para qualquer professor do segundo ciclo trabalhar, além de práticas e projetos literários que foram perdidos na cultura escolar.

A leitura da voz: “Teria que ter a leitura em voz alta e ela não precisa ser necessariamente o ‘levanta e lê’. Pode ser a Hora do Conto, um tipo de leitura muito praticado, com a professora ou um colega lendo um conto; ou a Sacola de Leitura, para a criança levar o texto para casa e ler para a família; ou até mesmo, como em uma escola em Campinas, onde todos os professores selecionavam um trecho, um pedaço de poema ou conto e liam para os alunos. Os próprios alunos começaram a pedir para ler.

A leitura do silêncio: “Dentro da própria escola pode haver um tempo para ler silenciosamente, e pode ser aquele tempo do Cantinho da Leitura ou uma atividade programática e bem organizada, como um dia por semana, que a escola pare – da diretora à faxineira – para ler. Nessa hora, na escola, não se faz barulho algum, e que seja todo mundo mesmo!”

A leitura da memória: “São aquelas que passam pela memorização, como a contação de histórias, que é diferente da hora do conto. O professor memoriza a história e conta. Ou [pode ser] o coro falado, a prática antiga que tínhamos e desapareceu: os alunos memorizam um poema e, com falas separadas ou uníssonas, declamam de cor. Quando nós guardamos um texto na memória, a gente não guarda só o texto, mas a memorização que a gente faz do texto”.

A leitura de interação: “As atividades em que os alunos, de alguma maneira, têm que interagir com os textos, respondendo-os, seja na forma de reescrever o texto ou mudar a perspectiva. Esse tipo de atividade de reescrever o final ou desenvolver outra história, participando daquele texto, recortando-o. Ou atividades de comentário, como no caso das resenhas no dia da leitura. A pessoa lê o texto e o comenta. Ou ainda a análise durante a aula, verificando como o texto é composto e as relações intertextuais com outros textos ou contextuais sobre o mundo.”

Parte 1 - Especial 4º e 5º: o momento de consolidar

Parte 2 - Especial 4º e 5º: professores e avaliações

Parte 4 - A criança e o mundo