A PNA contempla a realidade da alfabetização no Brasil?

Instituída em abril de 2019, a Política Nacional de Alfabetização (PNA) foi lançada como “marco para a educação brasileira” pelo atual governo, mas sua proposta tem sido bastante discutida desde então, recebendo diferentes críticas de pesquisadores da área. Discutiremos, nesta reportagem do Letra A, alguns dos pontos mais levantados.


     

Letra A • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020, 16:27:00

 
Por Natália Vieira
 
Instituída pelo decreto nº 9.765 em abril de 2019, a Política Nacional de Alfabetização (PNA) do Ministério da Educação (MEC) foi criada, segundo o MEC, com o objetivo de “melhorar a qualidade da alfabetização no território brasileiro e combater o analfabetismo absoluto e o analfabetismo funcional”. Ainda no ano passado, os conceitos e a abordagem da política foram explicados no caderno lançado em agosto. No caderno, o MEC afirma que a PNA pode ser considerada um marco na educação brasileira ao colocar a alfabetização no centro da política pública educacional do país e argumenta que a política “pretende inserir o Brasil no rol de países que escolheram a ciência como fundamento na elaboração de suas políticas públicas de alfabetização”.
 
A proposta do atual governo é apoiada, principalmente, segundo o secretário de Alfabetização do MEC Carlos Nadalim, na chamada ciência cognitiva da leitura. Em entrevista ao próprio MEC, o agora ex-coordenador-geral de Neurociência Cognitiva e Linguística do MEC Renan Sargiani afirma que os países bem sucedidos na melhoria da alfabetização das crianças se fundamentaram nas evidências da ciência cognitiva da leitura, “porque essa área apresenta o conjunto de evidências mais vigorosas sobre como as pessoas aprendem a ler e a escrever e como podemos ensiná-las de um modo mais eficiente.”  
 
Essa área, segundo Renan, mostra que a abordagem fônica é a mais eficiente para o ensino sistemático da leitura e da escrita, defendendo que a criança deve primeiro aprender as relações entre grafemas e fonemas para ser alfabetizada com sucesso. Para a professora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo Ana Luiza Navas, “as ciências cognitivas vieram complementar muito do que já se sabia ou reforçar muito do que já tinha sido feito.” Em sua visão, a PNA busca tratar de assuntos que não foram priorizados até então e que devem, para ela, complementar os avanços que o país já teve na área.
 
No entanto, para muitos pesquisadores da área da alfabetização, a proposta da PNA ignora o que vem sendo construído pela comunidade acadêmica, pelas políticas públicas de governos anteriores e pelos professores alfabetizadores nas últimas décadas. Para a professora da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) Adelma Mendes, a PNA “rompe com uma política de formação articulada, pensada e construída ao longo de quase duas décadas, que culminou em avanços significativos, reconhecidos pelo próprio Ministério da Educação. Os resultados vinham sendo demonstrados em série histórica e deveriam ter sido considerados antes de interromper essa política vigente e criar uma nova”, defende a professora da UNIFAP. 
 
A professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Hilda Micarello aponta que a PNA desconsidera a trajetória de pesquisas e de formação de professores que já foi realizada. Para ela, “ao propor a adoção de uma perspectiva metodológica única para a alfabetização – os métodos fônicos de alfabetização - ela [PNA] não apenas se contrapõe à produção científica recente sobre o tema, mas ignora a diversidade que constitui a realidade educacional brasileira.”
 
O professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Artur Morais segue a mesma linha de argumento das professoras Adelma e Hilda, afirmando que a PNA não dialoga com o que vem sendo construído tanto no plano teórico quanto no didático do campo da alfabetização, que, para ele, “vinha produzindo avanços importantes, tanto no desempenho dos estudantes, como nos materiais didáticos e na compreensão que passamos a ter sobre os processos envolvidos na aprendizagem inicial da escrita”.
 
O Letra A tentou conversar com um representante da Secretaria de Alfabetização do MEC para discutir mais a fundo a proposta da PNA e as críticas que a política vem recebendo, mas até a publicação desta matéria não obtivemos resposta do ministério.
 

Continue lendo:

Parte 2 - Conflitos de abordagens e terminologias

Parte 3 - Resultados que não revelam toda a história

Parte 4 - Protagonismo e valorização dos professores