A PNA contempla a realidade da alfabetização no Brasil? | parte 3


     

Letra A • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020, 16:44:00

 
Resultados que não revelam toda a história
 
A justificativa do MEC para a criação da PNA é que a realidade educacional de nosso país “revela a urgência de mudança na concepção de políticas voltadas à alfabetização, à literacia e à numeracia.” No caderno da PNA, são destacados dados do desempenho recente dos estudantes brasileiros na Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) e no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). Na avaliação mais recente da ANA, em 2016, 54,73% dos alunos que concluíram o 3º ano do ensino fundamental apresentaram desempenho insuficiente no exame de proficiência em leitura, e o resultado mais recente do Pisa, que é realizado com estudantes com idade entre 15 anos e 2 meses e 16 anos e 3 meses, colocou o Brasil, em 2015, em 59º lugar em leitura e em 65º lugar em matemática, num rol de 70 países.
 
No entanto, a professora Hilda Micarello argumenta que é necessário ter clareza sobre o que significa dizer que o Brasil tem resultados ruins nessas avaliações. Ela explica que os resultados de avaliações internacionais como o Pisa deveriam ser analisados em diálogo com outras evidências, como as avaliações nacionais, e que um dos objetivos da ANA era produzir evidências para o monitoramento do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), programa do MEC que foi descontinuado em 2018. “Eu diria que nossos resultados não mudam porque ainda não sabemos o que fazer com eles. Ou seja, não extraímos deles os subsídios que eles podem oferecer para avançarmos numa maior compreensão dos problemas que temos que enfrentar e do modo como podemos enfrentá-los”, afirma Hilda. Para a professora da UFJF, os questionários contextuais, que acompanham as avaliações da alfabetização no Brasil e servem para avaliar as condições de oferta da educação, “são ainda um território a ser explorado pelas pesquisas.” 
 
Hilda defende a importância dos questionários, afirmando que esses são instrumentos de avaliação da mesma forma que os testes cognitivos. “Eles permitem que os resultados obtidos pelos alunos nos testes cognitivos sejam cotejados a outras informações, tais como o nível socioeconômico da população, as condições de infraestrutura das escolas, o estilo de gestão, dentre outras possibilidades. Entretanto, quando se divulgam os resultados das avaliações, essa divulgação fica restrita aos resultados dos testes cognitivos, ou seja, ao desempenho dos alunos. Mas esse desempenho não pode ser considerado apartado das condições em que ele se dá”, reforça. 
 
Na visão da professora Adelma Mendes, os problemas do ensino da leitura e da escrita no Brasil são mais de ordem histórica e socioeconômica do que didático-metodológica. “É histórico o fosso das desigualdades entre as regiões. A título de exemplo, nas regiões Sul e Sudeste, encontram-se as escolas com médias mais altas para todos os indicadores de qualidade em comparação às escolas do Norte e Nordeste. E onde estão as escolas mais precárias? Justamente nestas regiões e isso é comprovado pelos Censos contínuos”, aponta. Adelma chama a atenção para a diferença dos valores de custos distribuídos por aluno no Brasil. “Segundo o Parecer CNE/CEB nº: 3/2019, enquanto o estado do Amazonas dispõe de aproximadamente R$ 4 mil por aluno/ano, e sua capital um pouco mais de R$ 4 mil, o Distrito Federal dispõe de mais de R$ 11 mil”.
 
A negligência com a questão infraestrutural da educação brasileira não é recente e, para a professora Adelma, é bastante evidenciada no processo de democratização do ensino na década de 1950, quando as classes trabalhadoras passaram a exigir o direito de seus filhos à escola. “Houve a necessidade de ampliação das redes, de ampliação do número de docentes. Nesse período, os salários passam a ser reduzidos e as condições precárias de trabalho obrigam os professores a ocupar dois ou mais postos de trabalho para ampliar a renda. Ou seja, garante-se que crianças, jovens e adultos estejam na escola, mas essa escola não garante a qualidade do ensino que oferece.” 
 
Também é histórico no Brasil, para Adelma, a descontinuidade e a ruptura frequentes das políticas públicas voltadas para a educação. “No Brasil, cada governo parece ‘querer deixar sua marca’. É um ciclo que se repete em que se trata a coisa pública sob o ponto de vista ‘do governante; de sua vontade e crença’”. Na visão de Adelma e Hilda, o PNAIC é um exemplo disso, pois acreditam que o Pacto trouxe muitos ganhos que deveriam ser aproveitados. 
 
A professora Ana Luiza Navas também acredita que a experiência do PNAIC foi muito importante ao proporcionar a capilarização da formação de professores. “Acho que a gente teria que aproveitar sempre aquilo que foi bem sucedido e talvez acrescentar as habilidades que a PNA está propondo e somar a esse tipo de formação que já vinha sendo feito”, argumenta Ana. A professora do 1º e do 2º ciclo da rede municipal de Belo Horizonte (MG) Márcia de Souza dos Santos participou do PNAIC e acredita que o Pacto foi um passo positivo para avançar no diálogo com a “realidade da educação”. “Os encontros [do PNAIC] proporcionaram diálogos nunca antes contemplados entre as professoras alfabetizadoras de regiões e até mesmo da mesma escola. Durante os encontros, nós professoras, em uníssono, concordamos o quanto as políticas governamentais ainda estão longe de conseguir solucionar os problemas que assolam a sala de aula”, afirma Márcia.  
 

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