A PNA contempla a realidade da alfabetização no Brasil? | parte 4


     

Letra A • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020, 16:48:00

 
Protagonismo e valorização dos professores
 
Da publicação da proposta da PNA para cá, o MEC criou os programas “Tempo de aprender” e o “Conta pra mim”. O “Tempo de aprender” pretende “enfrentar as principais causas das deficiências da alfabetização no país” a partir de quatro eixos: formação continuada, apoio pedagógico, aprimoramento das avaliações e valorização dos profissionais. O “Conta pra mim” tem o objetivo de estimular práticas de literacia familiar, que é, segundo o MEC, “o conjunto de práticas e experiências relacionadas com a linguagem oral, a leitura e a escrita, que as crianças vivenciam com seus pais ou responsáveis.” O MEC explicou nas cerimônias de lançamento dos programas que ambos são baseados na PNA.
 
As propostas de formação continuada do “Tempo de aprender” são um curso sobre psicologia cognitiva, formação em gestão de educação para gestores e intercâmbio para professores selecionados em instituições de Portugal. No eixo de apoio pedagógico, o programa criará um sistema online que disponibilizará materiais pedagógicos e permitirá compartilhamento de atividades, oferecerá recursos financeiros às redes de educação para apoiar a atuação dos assistentes de alfabetização e custear despesas das escolas e vai reformular o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) para adequá-lo “às evidências das ciências cognitivas.” Quanto à valorização dos professores, será criado um prêmio federal para profissionais da educação baseado em desempenho.
 
Para a professora Márcia, a PNA “contempla, como propostas anteriores, apenas soluções pautadas mais na teoria que distam da realidade de muitos discentes das classes menos favorecidas.” Ela aponta que os fatores que resultam no fracasso escolar são diversos, destacando o acúmulo de funções que os professores precisam lidar e limitações sociais que as famílias dos alunos apresentam. A professora das redes municipais dos municípios de Sete Lagoas e Esmeraldas (ambos em Minas Gerais) Elisangela Gonçalves de Almeida também destaca a relação da família com a escola como um grande desafio atual. 
 
“A proposta hoje de alfabetizar letrando, valorizar o letramento e a oralidade, colocar a criança para fazer recontos, essa parte que a gente “gasta tempo”, a família não entende. Não entende esse protagonismo da criança”. Para Elisângela, hoje o maior desafio é fazer a família entender a proposta da escola e “caminhar junto”, “porque a família ainda acredita naquele papel do professor tradicional. Eles acham muito bonito o teatro, a dança, a música, mas não entendem isso dentro de um contexto.” Elisângela achou positiva a proposta do “Conta pra mim” por dar destaque a ações da família. No entanto, afirma que a proposta de leitura em casa e de um “cantinho da leitura” que aparece nos vídeos do programa lançados pelo MEC ainda é “um sonho”.
 
Como pontos negativos da PNA, Elisângela aponta o foco em apenas uma abordagem e a falta de “conversa” com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A professora destaca outros desafios e problemas que professores da rede pública têm que enfrentar, como a alta rotatividade de equipe. “Tem um grupo na escola que está presente, no ano que vem chega outro grupo, [no outro ano] outro grupo... O ideal seria que o grupo de alfabetização fosse formado pelos efetivos, para que se mantivesse uma linha de crescimento. Porque cresceria junto, teria uma proposta clara, poderia fazer essa troca, primeiro, segundo, terceiro ano”, defende.
 
Para Elisângela, deveria existir um “professor alfabetizador”, com um plano de carreira. “O professor alfabetizador precisaria ser um funcionário efetivo, porque daí teria um plano de carreira, de formação. Se eu tenho 20 professoras numa escola, não é difícil você chegar à escola e ver que está o professor efetivo trabalhando há dez anos com alfabetização. Então é pegar esse professor e garantir que ele, de fato, tenha uma formação voltada para o primeiro ano.” 
 
A professora Maria Sílvia concorda com a questão do plano de carreira e também chama a atenção para as condições de trabalho dos professores no Brasil, que trabalham em salas de aula cheias e têm uma jornada baseada em horas trabalhadas na aula, não contando o trabalho de preparação, que é realizado em casa e não é remunerado. “A educação brasileira vai para frente porque os professores estão comprometidos, eles têm raça, eles trabalham, eles adoram o que fazem e adoram as crianças. Então levam trabalho para casa, tiram dinheiro do bolso, entende. Aquela coisa missionária. Mas não era assim que deveria ser.”
 
 
Dossiê sobre a PNA
 
A Associação Brasileira de Alfabetização (ABAlf) lançou um número especial de sua Revista Brasileira de Alfabetização (RBA) sobre a Política Nacional de Alfabetização. Ao todo, são 23 artigos que analisam a PNA sob diversos ângulos.
 
 
 

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