Alfabetização audiovisual

A importância de refletir sobre as narrativas em imagem e som veiculadas no cinema, na TV e até nos celulares


     

Letra A • Terça-feira, 22 de Dezembro de 2015, 16:01:00

 

Por Natália Vieira

Com seus celulares com câmera e acesso à internet, as crianças hoje fazem parte de uma geração que, desde cedo, registra e compartilha os mais diversos conteúdos em vídeo. Porém, olhar para essas imagens de maneira reflexiva ainda é pouco comum. Por isso, segundo a professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Maria Carmen Barbosa, o conceito de “alfabetização audiovisual” tem sido cada vez mais usado no campo educacional, para “reivindicar que a escola pública contemporânea tenha um compromisso com a alfabetização nessa linguagem”.

O audiovisual é, segundo Maria Carmen, uma composição de linguagens. “Um filme, um documentário, uma reportagem em um programa de televisão, videogames: tudo isso são obras audiovisuais”, explica a professora, que coordena o Programa de Alfabetização Audiovisual (PAA), da UFRGS. A união entre imagens em movimento e sons é o que caracteriza, em linhas gerais, os variados exemplos que compõem essa linguagem multimodal.

A professora de artes audiovisuais do Centro Pedagógico da UFMG Silvia Amélia de Souza afirma que é fundamental pensar na ideia de montagem para compreender no que o audiovisual se diferencia de outras linguagens. “Toda produção de audiovisual é montada, no sentido que eu escolho o que vem antes e o que vem depois e o que eu produzo de sentido nessa ordem em que eu coloquei as coisas”, explica. Assim, a escolha da sequência das imagens e do ritmo da passagem de uma a outra são elementos essenciais da construção narrativa de um filme ou vídeo.

Uso nas escolas

Diante da forte presença do audiovisual na vida dos alunos, é imprescindível que a escola assuma seu papel de promover reflexão. “O excesso de imagens e a velocidade com que elas passam por nossos olhos começa também a produzir um outro sujeito cognitivo. Que sujeito é esse que o mundo atual está produzindo e como a escola pode lidar com ele?”, reflete Silvia Amélia.

Para ela, o audiovisual é muito utilizado nas escolas, mas com o problema de ser apresentado como um recurso neutro para veicular conteúdos. “Trabalhar com audiovisual nas escolas não significa apenas exibir filmes”, defende a professora. Geralmente, quando um filme é exibido em sala de aula, os professores tendem a focar as discussões na história contada, desconsiderando as informações sobre a realização da obra. “Qual é o lugar daquele que produz, que escreve a história? De que lugar esse filme está sendo escrito?” são algumas das problematizações que o professor deve estimular, segundo Silvia Amélia. Um filme americano sobre a Guerra no Iraque, por exemplo, trará uma visão do conflito totalmente diferente de uma produção audiovisual realizada em um país do Oriente Médio.

Outro aspecto do audiovisual que é negligenciado nas escolas é seu uso como linguagem. “Quando a gente trabalha o audiovisual como veículo de conteúdos, não está trabalhando o audiovisual, e sim o conteúdo de História, de Geografia, de Ciências”, alerta Silvia Amélia. Realizadores de filmes não pensam apenas no enredo da obra; muitas outras decisões precisam ser tomadas, como a escolha do figurino dos personagens, a iluminação dos cenários, o ângulo em que certo personagem será filmado... A professora exemplifica que filmar um morador de rua que esteja sentado no chão, posicionando a câmera de cima para baixo, produz certo efeito de sentido, enquanto filmá-lo da mesma altura em que ele se encontra produz outro bastante diferente. Essas escolhas passam despercebidas para muitos espectadores, mas os afetam e produzem diferentes visões de mundo.

Imagem é expressão

Com a criação da Lei n° 13.006, de junho de 2014, que determina a exibição de filmes nacionais na educação básica como componente curricular complementar integrado à proposta pedagógica da escola, o momento é propício para discutir sobre o que o audiovisual tem a oferecer. O realizador audiovisual e mestrando em Educação na UFMG Gustavo Jardim defende que, assim como as palavras, “as imagens também têm a força de convidar ao pensamento”.

Para Gustavo, a imagem é, também, um instrumento de formulação de impressões de mundo e tem uma forte potência de comunicação, que é mais percebida hoje por causa da grande quantidade de imagens a que estamos expostos. Para não sermos reféns dessa exposição, precisamos refletir sobre o que absorvemos. “Se você não cria um espírito crítico para ler aquilo que a mídia, o cinema, a internet falam, você toma aquilo como a verdade, e não como a expressão. As imagens são muito suntuosas hoje em dia, criam mundos”, observa Gustavo.

SAIBA MAIS

Rede Kino (Rede Latino-Americana de Cinema e Educação): iniciativa de seis professoras que promovem troca de experiências para viabilizar ações conjuntas relacionadas às áreas do cinema e da educação. www.redekino.com.br

Primeiro Filme: tem como objetivo criar materiais didáticos, estruturas e ferramentas de apoio ao ensino de cinema no Ensino Médio. Traz dicas de sites e livros sobre audiovisual. www.primeirofilme.com.br