Alfabetizar crianças autistas
A observação das características de cada aluno com o transtorno como estratégia de melhoria do ensino e da aprendizagem
Letra A • Quarta-feira, 09 de Dezembro de 2015, 20:02:00
Por Eliza Dinah
Um fica completamente isolado em sala. Outro é mais sociável. Um terceiro tem grande facilidade para aprender Matemática. Já outro apresenta movimentos repetitivos constantes. Traçando esses perfis, a professora Marileth Berto mostra como variam as características das crianças com autismo. A pedagoga da rede municipal de Cuiabá (MT) já teve em suas turmas vários alunos com o diagnóstico (ver ao lado O diagnóstico de autismo). Após sua primeira experiência, há 8 anos, cursou especialização na área de educação especial. “A formação ajuda a compreender por que o transtorno se dá, a saber como agir de uma forma geral”, afirma. Mas, quando chega um aluno novo com o diagnóstico na turma, é preciso somar o conhecimento teórico a uma postura acolhedora e atenta às respostas que esse novo aluno dá a cada estímulo. “Existem muitas possibilidades e cada um é diferente do outro. Uma atividade que planejo para uma criança não serve da mesma forma para outra”, ressalta Marileth.
Muitas vezes, as melhores estratégias para envolver o aluno demoram a surgir. Ainda assim, é importante que o professor evite uma postura passiva, de aceitar que a criança faça apenas o que quiser. “Uma criança que quer ficar com uma bolinha ou uma massinha infinitamente, se você, como educador, não intervém, não vai negociando, pode deixá-la excluída, no sentido de que ela pode se beneficiar pouco do processo educativo”, alerta a professora da Faculdade de Educação da UFMG Mônica Rahme.
Experimentar e adaptar
Explorar alternativas diversas para encontrar as mais adequadas foi a estratégia da professora da rede municipal de Contagem (MG) Sony Barbutti, ao receber em sala de aula seu primeiro aluno autista. “Foram várias tentativas, por meio de música, de gestos, de histórias, até chegar à imagem”, relembra a professora. Ao realizar uma atividade sobre a história das crianças, a professora deixou uma tarefa para casa: pediu às crianças que colassem uma foto ou desenhassem algo sobre sua infância no caderno. No dia seguinte, o aluno autista, que na época tinha 6 anos, trouxe o caderno com sua foto colada e ficou por muito tempo olhando a própria imagem. Ao perceber que esse elemento atraía tanto o aluno, Sony começou a desenvolver mais atividades com imagens. “Assim criei o alfabeto ilustrado, a partir das atividades de que ele mais participava e dos seus interesses. Por exemplo, colocando comidas que ele gosta, fotos de familiares etc.”, conta a professora.
Há necessidades também de adaptar o ambiente escolar, como lembra Sandra Cordeiro, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ela explica que uma criança com autismo se incomoda facilmente com coisas que não incomodam as outras. “É comum que crianças autistas sejam mais sensíveis, por exemplo, ao sol, à luz e a distrações na sala de aula. As escolas normalmente colocam painéis e cartazes na parede, e é comum que uma criança com autismo se perca olhando uma dobradura no papel que está na parede”, exemplifica.
Ensino da leitura e da escrita
Em muitos casos, as crianças com autismo aprendem a ler e a escrever sozinhas. A professora da Faculdade de Educação da UFMG Adriana Borges lembra que a maior dificuldade nesse campo não é a aquisição do sistema da escrita, mas a interpretação de textos. Isso porque, em geral, essas crianças conseguem captar os signos e decodificar palavras, mas não dão um significado a elas, o que Adriana chama de uma leitura mecânica. “É como se ele conseguisse decodificar a palavra ‘banana’, mas sem saber, às vezes, o que é uma banana. Ele só junta o B com A, o N com A”, explica Adriana. Para ajudar a desenvolver a capacidade interpretativa, a professora Mônica Rahme sugere a utilização de estratégias que relacionem imagens e palavras e, ainda, leituras com interpretação coletiva envolvendo toda a turma.
Outro obstáculo pode estar na forma de praticar a escrita: “Muitas vezes as crianças vão fazer uma opção pela caixa alta, e vai ser muito difícil exigir que elas tenham uma motricidade refinada para fazer a letra cursiva”, afirma Adriana Borges. Como o uso do lápis em geral também é um obstáculo, a escrita em plataformas digitais pode ser uma boa alternativa.
O diagnóstico de autismo
Descrito pela primeira vez em 1943, o autismo era classificado na categoria dos Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD), mas a nova versão do Diagnóstico de Saúde Mental (DSM) o enquadra na categoria dos Transtornos do Espectro do Autismo (TEA). De maneira geral, é comum aos diferentes quadros dessa categoria um prejuízo na habilidade social, alteração na linguagem e também no comportamento. É bastante observada, por exemplo, a dificuldade de interpretar expressões faciais e relacioná-las a emoções.
A professora da UFMG Adriana Borges lembra que essas características variam de mais graves a mais leves dentro do espectro. Entre os transtornos mais conhecidos, no autismo clássico, a pessoa pode chegar à fase adulta com ausência completa de fala, enquanto nos casos de Asperger a linguagem oral já é adquirida na idade entre 1 ano e 1 ano e meio.