Aprender ao inventar | parte 2


     

Letra A • Sexta-feira, 21 de Dezembro de 2018, 15:35:00

 
As crianças sempre estão em níveis diferentes nesse processo de aquisição da escrita. Como trabalhar com esses diferentes níveis?
As estratégias mais bem sucedidas são as de trabalhar com grupos de crianças que não têm o mesmo nível. Criamos grupos heterogêneos do ponto de vista da escrita. Em cada grupo não temos [só] crianças que ainda não relacionam linguagem escrita com linguagem oral, por exemplo. Temos, no mesmo grupo, [também] crianças silábicas e/ou crianças alfabéticas, que já fazem uma relação entre o oral e o escrito. É a discussão entre crianças de vários níveis que permite uma maior evolução. Quando se fazem grupos heterogêneos, o progresso é muito maior, desde que se saiba mediar as interações, o que é fundamental. 
 
Na alfabetização formal, que em Portugal começa aos seis anos, temos usado formas parecidas, mas não iguais de trabalhar com as crianças. Aos seis anos, elas começam a ser ensinadas por professores que usam determinados métodos de ensino. Nós não interferimos. O que propomos, geralmente, é que, ao lado do método, sejam feitas outras coisas. Em Portugal, por exemplo, é muito comum utilizar-se o método fônico. Há também professores que utilizam métodos silábicos e outros que utilizam o método natural, que tem um ponto de partida global. No entanto, é sobretudo o método fônico que é usado. O que fazemos é propor atividades na sala de aula que podem complementar aquilo que o método traz, como, por exemplo, criar pares ou grupos de crianças com conhecimentos diferentes sobre a escrita e propor-lhes que pensem em conjunto sobre a escrita de palavras ou de textos, com a mediação de um adulto.
Em Portugal, o método é de escolha do professor ou há políticas que direcionam para um ou outro método?
Em Portugal, cada agrupamento de escolas escolhe os manuais a serem usados. Para além do manual, é obrigatório usar livros de literatura para a infância. Os manuais induzem a forma de ensinar. Há professores que usam o manual exclusivamente. Os manuais com os livros de fichas que geralmente lhes estão associados induzem a utilização de um determinado método - geralmente o método fônico. No entanto, há muitos professores que não usam só o manual e há outros que o usam exclusivamente como instrumento de apoio. Portanto, há professores que usam fundamentalmente os manuais, como há outros que usam outros suportes, como textos escritos pelas crianças, livros de literatura para a infância, revistas e outros suportes. Eu sou partidária da diversificação dos materiais usados para ensinar a ler e a escrever.
Há pesquisas que analisam essa prevalência do método fônico em Portugal?
Fizemos um levantamento nacional sobre a forma como os professores do 1º ano do Ensino Fundamental trabalhavam o ensino da leitura e da escrita. Num primeiro momento, pedimos-lhes que respondessem a um questionário bastante exaustivo sobre aspectos metodológicos do ensino da leitura, aspectos materiais do ensino da leitura, utilização de livros infantis, avaliação das competências de leitura e de escrita e questões específicas do ensino da escrita. Os professores aderiram muito bem a esse questionário e conseguimos uma amostra nacional representativa das várias zonas do país. Identificamos três grandes grupos de professores: i) professores que trabalhavam predominantemente o código, ou seja, as correspondências grafema-fonema, que utilizavam menos os livros infantis e que utilizavam a cópia e o ditado como formas predominantes de ensinar a escrita; ii) professores que utilizavam o ensino do código, ao mesmo tempo trabalhavam a compreensão, usando mais os livros infantis e utilizando uma maior variedade de estratégias de ensino da escrita, nomeadamente, a par dos ditados e das cópias, a escrita de textos; iii) professores que centravam mais o ensino na compreensão, partindo dos textos das crianças e da literatura infantil para o ensino implícito das correspondências fonema- grafema.
 
Fomos avaliar os resultados das crianças de uma amostra dos professores dos três grupos da zona da grande Lisboa no final do ano, em leitura e em escrita: leitura oral de palavras, compreensão leitora, escrita. Os resultados obtidos indicam que os professores que combinam, nas suas práticas, o ensino explícito das correspondências grafema-fonema, e trabalham, ao mesmo tempo, a compreensão de textos (Código/Compreensão) obtêm melhores resultados do que os professores que se focam predominantemente no ensino explícito das correspondências grafema-fonema (Código) e do que os professores que se centram na leitura e escrita de textos e no ensino implícito das correspondências grafema-fonema (Compreensão). Estes dois últimos grupos tiveram resultados parecidos, quer o grupo que trabalhava predominantemente o código, quer o grupo que trabalhava predominantemente a compreensão.
 
Um dos aspectos interessantes foi que as práticas identificadas nos três grupos não coincidem com os métodos que os professores diziam utilizar quando se lhes perguntava que método usavam. No grupo Código/Compreensão, por exemplo, havia professores que diziam usar o método fônico, professores que diziam usar o método natural e outros, o método silábico. No grupo Compreensão, acontecia o mesmo, apesar da percentagem dos que diziam usar o método fônico ser menor. Só no grupo Código é que todos os professores diziam usar o método fônico. Esses resultados permitiram-nos perceber que o método que os professores diziam utilizar não correspondia àquilo que efetivamente faziam – os professores fazem muitas coisas para além do método, e aquilo que fazem para além do método é o que parece determinar as aprendizagens dos alunos.
 
 

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