Avaliações externas nos anos iniciais do ensino fundamental | parte 2
Letra A • Sexta-feira, 06 de Agosto de 2021, 13:35:00
Resultados podem contribuir ou prejudicar
A aplicação de provas em outros anos não é unanimidade. Existem pesquisadores e professores que não veem a aplicação de provas do Saeb em mais anos do ensino fundamental como uma medida totalmente positiva, principalmente no segundo ano. A pesquisadora da área educacional e também professora associada da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Cláudia Gontijo traz uma visão histórica acerca dos testes de leitura e escrita dos estados brasileiros: “Estes serviram apenas para estigmatizar crianças, criando nelas marcas profundas do fracasso. Marcas difíceis de curar. Esse tipo de proposta não faz o menor sentido e beneficia financeiramente apenas empresas que são contratadas para elaborar provas, matrizes etc.”. Ela acredita que a ausência de sentido está ligada a uma “aposta na incapacidade da escola de buscar soluções para os problemas da aprendizagem” e a uma “responsabilização das escolas e dos docentes dos resultados das avaliações, abstraindo as condições em que vivem professoras e as crianças matriculadas nas escolas públicas”. Essa responsabilização pode gerar uma preocupação por resultados por parte dos docentes e até mesmo de pesquisadores da área da alfabetização, pois, se os resultados forem baixos em relação ao que se espera, estes podem perpetuar uma culpabilização da escola, dos professores e dos alunos, sem considerar as limitações das avaliações padronizadas, que não levam em consideração os diferentes contextos e processos de aprendizagem de cada estudante.
A pedagoga da rede municipal de Tavares (MG) Rosimar Isidoro, levando em conta a heterogeneidade do processo de alfabetização, acredita que uma avaliação externa baseada num currículo comum para cada ano não seria viável num país em que os avaliados não estão numa mesma etapa de apropriação e consolidação do conhecimento. “Vejo que é ampliar ainda mais o distanciamento dos resultados dessas avaliações com a realidade do momento, e penso que pior será se esses resultados forem utilizados como parâmetro para aferir a qualidade da educação”, completa. Rosimar, assim como outras pedagogas, se preocupa com essa tentativa por parte dos órgãos públicos educacionais de mostrar resultados e produzir novas políticas apenas com base nestes, a partir de, segundo ela, “um fluxo de aprendizagem que está em constante movimento, sofrendo alterações e evoluindo, como é o caso do sistema da escrita alfabética.”
Apesar das preocupações, tanto Rosimar quanto Rosângela Veiga, pesquisadora do grupo Linguagens, Infância e Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (LINFE/UFJF), apostam em um lado positivo das avaliações nos 2°, 3° e 4° anos do ensino fundamental, desde que os resultados obtidos sejam usados para além de comparações e rankings. “Esses resultados [de informações diagnósticas internas] em cotejamento com os das avaliações externas poderão promover debates para que, cada vez mais, seja possível contribuir com a formação leitora. Isso se os resultados primarem pelo princípio da transparência e considerarem aspectos contextuais diretamente relacionados às condições de trabalho dos professores e de acesso à leitura por parte dos nossos estudantes das escolas públicas brasileiras”, pondera Rosângela. A pesquisadora diz que os prós e os contras das provas Saeb estão ligados um ao outro e dependem dos usos que as políticas governamentais fizerem deles, mas demonstra confiança no que diz respeito ao que as provas podem proporcionar: “Entendo as avaliações externas nos anos iniciais como de fundamental importância para que possamos atuar no sentido de minimizar lacunas da formação leitora. Saber como se encontra o processo de apropriação do sistema alfabético e como a leitura com compreensão está sendo desenvolvida pode contribuir e muito para ajustes nos currículos dos anos/séries.”
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Parte 3 - Contribuições das avaliações externas