Avaliações externas nos anos iniciais do ensino fundamental | parte 3


     

Letra A • Sexta-feira, 06 de Agosto de 2021, 13:40:00

 
Contribuições das avaliações externas 
 
Embora a reformulação do Saeb divida opiniões entre professores e pesquisadores, não se pode negar a utilidade das avaliações externas para a educação básica brasileira. Além do Saeb, foram criados na década de 1990 os Sistemas Estaduais de Avaliação, possibilitando a criação de matrizes de referências, que passaram a orientar os currículos das escolas. Os estudos realizados a partir dos mapeamentos desses Sistemas tinham o objetivo de apontar os melhores caminhos para solucionar a crise educacional brasileira. “Esses Sistemas de Avaliação em Larga Escala foram criados com o objetivo de verificar lacunas do processo de aprendizagem, para que, com base nos resultados, fossem elaboradas políticas públicas educacionais que contribuíssem para a promoção da equidade, atendendo, assim, o que preconiza a Constituição Federal de 1988”, explica Rosângela Veiga.
 
De acordo com Rosângela, é preciso entender que esses sistemas sempre estão em consonância com o projeto político de cada gestão do país. A pesquisadora da UFJF explica que o sistema de avaliação da educação básica no Brasil tem três gerações. A primeira tinha características diagnósticas para acompanhar a evolução da qualidade educacional: “Nessa perspectiva, os resultados das provas realizadas sob a coordenação do Saeb tinham como objetivo monitorar os testes, inicialmente aplicados de forma censitária, sem estabelecer como meta o acompanhamento do desempenho individual de alunos, professores e instituições”. A segunda geração foi marcada pela criação do IDEB, em 2007, através de iniciativa do Inep e, com isso, a integração dos resultados da Prova Brasil ao mais novo índice de medição. “Assim, a importância dada aos índices de rendimento nas avaliações das escolas públicas e seu uso indiscriminado como definidor de políticas educacionais podem ser entendidos em dois aspectos: uma clareza sobre o fato de que a educação requeria investimentos substantivos em políticas públicas de formação de professores e de acesso a livros; a forma como algumas dessas políticas foram sendo delineadas a partir da busca pela melhoria do IDEB a qualquer custo”, argumenta Rosângela. E, por fim, a terceira geração está atrelada à distribuição de recompensas ou sanções pelo desempenho dos alunos e escolas: “Este processo de responsabilização envolve mecanismos de remuneração dos professores em função de metas preestabelecidas pelos próprios sistemas. A lógica meritocrática torna-se cada vez mais interiorizada nas escolas a partir do ato de associar o resultado do aluno a uma avaliação do mérito do professor.”
 
Apesar de as avaliações externas oferecerem informações úteis ao sistema de educação, essas informações podem ser bem limitadas, de acordo com o professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) José Francisco Soares, pois não indicam por completo a situação do estudante e da escola. “Há categorias inteiras de conhecimentos e habilidades essenciais que não são incluídos nos testes. Por exemplo, as habilidades socioemocionais, as habilidades de comunicação oral, cooperação e criatividade são todos fundamentais para a vida do estudante e não aparecem nos testes somativos, mesmo se estes deixarem de utilizar apenas itens de múltipla escolha,” afirma José Francisco. Por não existirem, até então, formas desses elementos serem medidos nas provas, os resultados delas são atribuídos totalmente ao nível de aprendizagem em que aquele estudante se encontra, e as intervenções feitas a partir disso não levam em consideração o contexto social, econômico e emocional de cada aluno. Com isso, as metas esperadas quando se criam políticas públicas de educação a partir do produto das avaliações dificilmente são alcançadas. José Francisco, que também foi membro do Conselho Nacional de Educação (CNE), reforça: “O motivo do baixo desempenho não é completamente conhecido apenas com a interpretação pedagógica dos itens incluídos no teste, ainda que essas informações sejam muito úteis. Ou seja, é preciso buscar as explicações que podem estar em fatores escolares, da gestão pedagógica, das condições das escolas, dos processos pedagógicos utilizados.”  
 
A checagem da aquisição de conhecimento dos estudantes é consequência natural do estabelecimento do direito à educação, portanto, todo aluno tem o direito de ser avaliado, segundo José Francisco Soares. “Se, por um lado, as avaliações externas têm limitações, por outro, são imprescindíveis para a construção de um quadro geral do sistema a ser usado nas decisões de gestão dos sistemas de ensino e, também, na operacionalização do controle social”, completa.  
 
Desejo de um Saeb realista
 
Em maio deste ano, conversas entre a Secretaria de Alfabetização do MEC (Sealf) e o Inep resultaram na sinalização do desejo de implantar o Saeb também no primeiro ano do ciclo de alfabetização. Porém, de acordo com o presidente do Inep, Alexandre Lopes, acabou ficando definido entre a equipe dele e a do representante da Sealf Carlos Nadalim que o Saeb começasse as avaliações no segundo ano do ensino fundamental, pois “há alguns questionamentos, inclusive de especialistas, da validade de se fazer avaliação de uma criança tão pequena, no primeiro ano”, reconhece Alexandre. Surgiu, então, a dúvida entre se aplicar o Saeb no final do primeiro ano ou no início do segundo, pois são as mesmas crianças, com apenas um período de férias entre os anos, “mas então optou-se por colocar essa Provinha no início do segundo ano do fundamental.” Ainda não foi totalmente excluída a possibilidade de avaliação Saeb para o primeiro ano dos anos iniciais. O presidente do Inep diz que “se houver uma decisão no futuro de estender o Saeb para o primeiro ano do ensino fundamental, o que nós vamos fazer é planejar a melhor avaliação para esse público concluinte do primeiro ano do fundamental”. Ele também acrescenta que a Sealf pode vir a fazer um teste, que não será Saeb, de caráter instrumental pedagógico, para verificar a fluência de leitura desses estudantes. A reportagem do Letra A tentou entrar em contato com a equipe da Secretaria de Alfabetização para maiores esclarecimentos sobre esse possível teste, mas não obteve resposta. 
 
A reformulação do Saeb pode trazer os benefícios que ela propõe para os anos iniciais, mas Ton Ferreira, consultor educacional, aponta uma série de requisitos que devem ser cumpridos para que as vantagens sejam colhidas da melhor forma: “Agregaria muito o trabalho em sala de aula, se de fato os resultados chegarem a tempo, se o foco for a gestão dos resultados, se os instrumentos avaliativos forem construídos por técnicos que realmente saibam o que colocar nesse tipo de ferramenta, e se os aplicadores tiverem experiências no momento para não causar desvios.” Ele reforça também que a preocupação deve ser sempre com a sala de aula, incluindo os professores que estão no “chão da escola” e têm conhecimento da realidade ali experienciada todos os dias. A visão da especialista em educação básica e supervisora pedagógica Silene Gelmini vai ao encontro do ponto de vista de Ton, pois ela diz que, como profissional que trabalha na base de escolas da rede pública, há um receio de que, com o aumento do número de avaliações externas, a alfabetização venha a ser um processo individualista de cada criança e de cada professor. Isso possivelmente se daria pelo fato de que a instituição passaria a cuidar mais da preparação do aluno para as provas anuais, visando à obtenção de bons resultados, e menos com o processo de alfabetização em si. “É o processo de alfabetização que precisa estar em foco. Os métodos, o envolvimento da turma, os temas para projeto dentro da sala, a pertinência das sequências didáticas, o contexto da avaliação, eu acho que é isso que tem que estar no foco, e não o tempo todo se organizar para um teste”, completa Silene.
 

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