Avaliar para entender, entender para planejar


     

Letra A • Quinta-feira, 10 de Dezembro de 2015, 13:00:00

O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, ao propor que todas as crianças devem estar alfabetizadas aos 8 anos, concebeu um instrumento para aferir se essa meta está sendo alcançada. Por meio da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), desenvolvida e aplicada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), é possível mapear as habilidades dos alunos em Língua Portuguesa e Matemática ao final do 3º ano do Ensino Fundamental.

Em entrevista para o jornal Letra A, Ticiane Bombassaro Marassi, coordenadora geral de exames para certificação no Inep, fala sobre a avaliação, que, segundo ela, pode ajudar a reorientar a prática pedagógica e as ações de gestão voltadas aos anos iniciais do Ensino Fundamental. Ticiane indica como os resultados da ANA podem se tornar tanto ferramentas pedagógicas como elemento de gestão para professores, gestores públicos e comunidade escolar.  “Não basta dizer que a criança não aprendeu, é preciso saber o contexto em que ela estava para que essa aprendizagem não se desenvolvesse”, afirma. A entrevistada ainda explica a suspensão da avaliação em 2015 e comenta a relação entre a avaliação e a criação da Base Nacional Comum Curricular.

Por Poliana Moreira

A Avaliação Nacional da Alfabetização se vale de diferentes instrumentos, como questionários para os educadores e testes de desempenho para os alunos. Como esses diferentes dados são combinados? O que a ANA pretende avaliar?

A ANA pretende avaliar o nível de alfabetização e letramento das crianças no final do terceiro ano, que é o fim do ciclo de alfabetização. É quando a gente espera que o direito à alfabetização esteja garantido. Para fazer essa aferição, nós definimos dois conjuntos de instrumentos, que são os questionários e as provas. Os questionários visam averiguar as condições de oferta; portanto, é perguntado aos professores e diretores quais são as condições de infraestrutura, de organização do seu trabalho, da formação, da gestão. Já as provas são um teste cognitivo, um teste de desempenho dos alunos. Esses dados precisam ser analisados e avaliados conjuntamente para se conseguir entender em que contexto esses resultados foram produzidos. Outro indicador que oferecemos para a escola e que não sai dos questionários da ANA, e sim dos questionários do Saeb, é o nível socioeconômico. O nível socioeconômico pode ajudar a explicar o baixo desempenho dos estudantes. Pode ajudar, mas não é o único indicador. É preciso avaliar a formação e as condições de trabalho desse professor que está diretamente envolvido no processo de alfabetização, além das condições de gestão naquela escola. É a análise conjunta dessas informações que pode fornecer um diagnóstico mais preciso. Não basta dizer que a criança não aprendeu; é preciso saber em que contexto ela estava para que essa aprendizagem não se desenvolvesse, e isso pode ter a ver com a gestão e com o nível socioeconômico. Não tira a responsabilidade da escola de intervir, mas dá mais elementos para que ela faça isso.  

A notícia de que a ANA não seria aplicada em 2015 pegou muitos de surpresa. Uma aplicação com intervalo de dois anos, e não mais anualmente, muda muito a forma como os resultados devem ser utilizados por educadores e pelas redes de ensino?

Não muda. Na verdade, o que teremos é um intervalo maior entre as aplicações e, aí sim, há uma chance de variação de resultados. Quando se aplica seguidamente, sem dar um tempo para reflexão daquele resultado; quando se entrega o resultado e em seguida já se faz uma medida nova, diminui a capacidade de intervenção. Em 2015, particularmente, não vamos aplicar, mas o espaço de aplicação favorece muito uma intervenção das escolas que possa impactar no resultado a ser coletado em 2016. Podemos até pensar que seria melhor que esse intervalo entre as edições fosse um pouco maior, para que a escola pudesse trabalhar melhor os resultados que recebeu. Mas, no momento, o que estamos fazendo é uma suspensão da edição de 2015 para um aprimoramento pedagógico, mas a ANA continua anual: essa é uma definição que está no Pacto.

Que balanço o Inep faz dos resultados finais da ANA 2014?

Os resultados finais divulgados em setembro de 2015 mostram que a avaliação pode ser um indicador de acompanhamento das melhorias feitas em alguns aspectos da alfabetização no país. Mostram, também, a relevância que tem a apresentação do desempenho dos estudantes em níveis de alfabetização. Cada nível exige uma ação pedagógica específica e os resultados estão bem apresentados para que se possa executar um plano para as dificuldades encontradas pelos estudantes nas escolas.

Após a divulgação dos resultados, houve críticas à efetividade do Pnaic e questionamentos sobre uma real melhora no quadro da alfabetização no Brasil. O que realmente foi possível avaliar em termos de avanço entre a primeira e a segunda edição da ANA?

As críticas feitas ao Pnaic são infundadas. Nenhum programa é capaz de proporcionar resultados tão rapidamente. Ainda, a ANA não se propôs a avaliar os avanços do programa. Nós trabalhamos em 2013 para testar nossos instrumentos. Em 2014, foi possível apresentar um primeiro diagnóstico da alfabetização no país e auxiliar os formadores a trabalharem as dificuldades identificadas em cada escola, observando os contextos nos quais elas se inserem (de socioeconômico à formação de seus professores). Neste momento, o Pnaic é a ação mais bem sistematizada para atender a realidade apresentada pela avaliação.

Os professores ainda precisam conhecer mais o que existe “por trás” dessa avaliação para saber interpretá-la? Alguns exemplos são: as matrizes de referência, a participação de professores da escola básica no processo de produção de questões e ainda os modos como são corrigidas as questões de escrita. Como fazer para que esse tipo de informação chegue efetivamente ao professor?

De fato, o professor vai conseguir entender melhor o resultado que lhe é oferecido se conseguir entender como é construído esse resultado: os itens, a matriz de referência, como o Inep corrige essa prova. Aí ele vai conseguir entender o que está sendo informado e o que não é possível informar, que é parte da prática pedagógica que essa avaliação não alcança. O que falta para essa informação chegar melhor? O Inep faz um esforço muito grande de transformar esse resultado em algo que seja fácil de ler, mas ainda assim a parte técnica da avaliação não é fácil. Eu acredito que só vamos conseguir melhorar isso com formação, e o Inep tem um papel importante em formar as pessoas para ler resultado de avaliação, para compreender a avaliação de larga escala. O Inep precisa construir espaços de formação e a universidade tem um papel importante, e os cursos de formação de professores precisam incorporar em suas discussões essa prática da avaliação e os conceitos da avaliação de larga escala, pois se começa a conhecer esse tipo de avaliação ainda na formação inicial. Dessa forma, antes de o professor chegar à escola, ele já vai ter um conhecimento sobre o tema. A formação continuada pode ser um esforço das Secretarias de Educação em parceria com o MEC e com o Inep. O Inep está muito disposto a fazer esse trabalho e entende que é a formação que vai dar conta de transformar esse resultado em algo mais fácil de ser lido.

A inexistência de uma base curricular nacional para a alfabetização dificulta a compreensão da ANA pelos professores?

Não, eu acho que ela complementa. Nós criamos a ANA em um momento em que essa Base Nacional não existia. Nós criamos a matriz de referência com base nos documentos orientadores do currículo. A Base Nacional reforça, inclusive, a garantia do direito: diz claramente quais são as expectativas de aprendizagem para o final do ciclo e a ANA vem para diagnosticar esse processo. Portanto, a ANA vai se ajustar a essa Base Nacional Comum, pois ela ajuda a avaliação e a complementa.

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Entrevista sobre a ANA - Parte 2