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Edição 50 do Letra A
Letra A • Sexta-feira, 13 de Julho de 2018, 12:58:00
Palavras de uma doutoranda em Paris: a experiência e as possibilidades do Doutorado Sanduíche
Por Ana Paula Pedersoli Pereira*
Palavras! Tenho muitas, guardadas em meu pequeno caderno - diário de uma doutoranda em Paris. Mas, por hora, seleciono apenas algumas, para escrever sobre a experiência do Doutorado Sanduíche, durante seis meses, em Paris e as possibilidades de amadurecimento dos meus projetos, de doutorado e de vida.
A experiência do Doutorado Sanduíche me proporcionou vivências significativas que permitiram novas problematizações acerca do meu objeto de pesquisa de doutorado - Folhinhas de Algibeira do século XIX. Com pesquisas em arquivos, bibliotecas, em especial na Bibliothèque Nationale de France, centros de documentação em Paris, especificamente na Bibliothèque de l'archidiocèse de Paris, e em Roma, na Itália, nos arquivos da Biblioteca do Vaticano - Archivio Storico di Propaganda Fide, foi possível a comparação de impressos de tipo parecido, publicados no Brasil, na França e em outros países, viabilizando uma melhor compreensão das especificidades desse tipo de material.
A interlocução com os orientadores Jean-Yves Mollier, Anaïs Fléchet, com outros pesquisadores como Anne-Marie Chartier e Jean-François Botrel, e o acompanhamento de seminários e disciplinas ofertados na Université de Versailles Saint-Quentin-en-Yveline sobre historiografia e estudos da história cultural; na Université Paris 1 – Panthéon-Sorbonne, sobre literatura e música e suas relações de transferências culturais, recepções e apropriações; na École dês Hautes Études em Sciences Sociales (Paris), sobre os estudos das religiões; e, por fim, reuniões de grupos de pesquisa que problematizavam sobre jornais franceses e as relações entre editores franceses e brasileiros, possibilitaram o diálogo com outros pesquisadores que desenvolvem estudos cujas temáticas se relacionam com a História da Leitura, a História do Livro e da edição. Foi possível refletir sobre as ligações entre produção e apropriação de impressos considerados populares e religiosos, e as representações da ideia de “literatura popular”, permitindo, assim, o aprofundamento das reflexões e problematizações sobre a produção, circulação e recepção de impressos ditos populares no Brasil e na França. Esses encontros acadêmicos também viabilizaram o investimento em novos estudos bibliográficos sobre a temática da minha pesquisa.
Nesse sentido, o contexto cultural, a interlocução com os professores, a organização dos espaços acadêmicos e a internacionalização nesses espaços possibilitaram minha circulação em diferentes instituições de ensino superior, a participação em atividades acadêmicas diversas e o constante diálogo com estudantes e pesquisadores de outras nacionalidades. A experiência como estudante de doutorado no exterior viabilizou trocas e aprendizados significativos de saberes acadêmicos e culturais, e consolidou a minha autonomia enquanto pesquisadora, especialmente no desenvolvimento da capacidade peculiar de ‘garimpar’ oportunidades e aproveitar as possibilidades que essa experiência permitia. Para além disso, destaco ainda os desafios e os aprendizados de vivenciar toda essa experiência num contexto de comunicação em língua francesa, o que me fez refletir sobre a relação dialógica entre a fluência na língua oficial do país e a participação efetiva em certos espaços sociais, como o acadêmico.
Enfim, o Doutorado Sanduíche aprofundou, também, as reflexões teóricas e metodológicas que possibilitaram ampliar e verticalizar minha formação enquanto pesquisadora no campo da Linguagem e Educação numa perspectiva histórica, particularmente, da História da Leitura. Reforço ainda que o “encontro diário com o outro”, seja nos espaços acadêmicos, religiosos, familiares ou no simples caminhar pelas calçadas, proporcionou momentos de trocas, aprendizados, amizades, novos desafios e outras tantas possibilidades em meus projetos, de doutorado e de vida, que persistem no diálogo constante.
*Pedagoga, professora da Rede Municipal de Belo Horizonte e doutoranda do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação da UFMG, sob a orientação da Profa. Dra. Isabel Frade.
Minha experiência em Portugal
Por Anna Carolina de Paiva*
Fiz intercâmbio na Universidade do Algarve, que fica na cidade de Faro, sul de Portugal, durante o segundo semestre de 2017. Fazer intercâmbio foi uma oportunidade de abrir os olhos para um novo mundo que, muitas vezes, é tão distante, que se torna impossível aos nossos olhos. É trazer para a realidade a vivência nas requisitadas terras europeias, entendendo as potencialidades e desafios do nosso país.
Sem dúvida, a dinâmica acadêmica em Portugal é muito diferente da vivida no Brasil. Os estudantes, de forma geral, são estudantes mais jovens e pouquíssimas pessoas trabalham. O curso de Pedagogia brasileiro é equivalente a três cursos diferentes em Portugal: Ciências da Educação, Educação Básica e Educação Social. Eu optei por escolher disciplinas do curso de Educação Social.
A disciplina mais interessante que fiz foi Animação Comunitária com a professora Rosanna Barros. A temática visa à transformação social partindo dos conhecimentos da comunidade. O nome do projeto da turma foi “Expressa-te a ti mesmo”, no qual, a turma, nossa comunidade, foi dividida em eixos de saberes como dança, teatro, massagem, ginástica, dentre outros.
Cada aula era lecionada pelos grupos de estudantes de cada eixo, onde esses contribuíram com uma oficina temática. As oficinas tinham duração de cerca de duas horas e toda a comunidade, dentro e fora da universidade, era convidada a participar. No decorrer do semestre, reunimos para revermos o que havia falhado em nossas sessões, para que, assim, conseguíssemos melhorar as posteriores.
Durante o ano de 2016 fui ocupante da Faculdade de Educação por 59 dias. Esse processo foi muito rico e se assemelhava, em grande parte, com a base teórico-prática da disciplina cursada em Portugal. Foi um momento de rever o que aprendi durante a ocupação, agora, com a finalidade educacional, já que na ocupação havia um objetivo de caráter político, apesar de ter sido um processo também educativo.
Essa foi uma dentre as tantas experiências educacionais que tive a oportunidade de vivenciar. Foi tempo de (re)construir, aprender, amadurecer. Sou muito grata à UFMG e à UALG pela oportunidade e espero contribuir com a formação de outras pessoas trazendo minha experiência.
*Estudante do 9º período do curso de Pedagogia da UFMG.
Práticas educativas na formação de educadores de jovens e adultos em São Tomé e Príncipe
Por Maurilane de Souza Biccas*
No período de 2006 a 2012, realizei oito missões de trabalho em São Tomé e Príncipe (STP), na África, pelo Projeto de Cooperação Técnica entre a Alfabetização Solidária e São Tomé e Príncipe, em parceria com a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), órgão do Ministério das Relações Exteriores. O objetivo da minha atuação na parceria entre os dois países era construir, junto com a equipe técnica do Ministério da Educação de São Tomé e Príncipe, um Projeto Político Pedagógico (PPP) voltado para a Educação de Jovens e Adultos. Foram oito viagens, e a primeira merece ser contada em detalhes.
Chegando a São Tomé e Príncipe, ao descer do avião, tive um choque de calor, no que diz respeito à temperatura e ao calor humano. As Ilhas são de uma exuberância enorme e lembram a costa leste brasileira, principalmente a região de Salvador, na Bahia. As pessoas que conheci, logo de início, no hotel, e depois em todas as partes do país, eram sempre muito simpáticas e alegres.
Eu e Ednéia Gonçalves, coordenadora do Projeto Alfasol, marcamos uma reunião com Helena Bonfim, coordenadora da Educação de Adultos de STP com o objetivo de conversar sobre o trabalho e também para obtermos algumas informações sobre os documentos oficiais sobre EJA; a organização e o funcionamento da EJA; dados estatísticos do atendimento realizado no país; o perfil dos alunos, dos professores e coordenadores pedagógicos envolvidos no projeto; a existência de materiais didáticos para esta modalidade.
Esse encontro foi muito interessante e instigante, pois as perguntas eram várias e diversas. No entanto, as respostas eram tímidas e com pouca exatidão. Para minha surpresa, tudo se revelava como uma confirmação sobre a falta de informações sobre o país, já detectada quando não havíamos ainda lá chegado. Conforme relato da Helena, os documentos existentes eram poucos e estavam dispersos nas casas de algumas pessoas e em algumas repartições do Ministério da Educação. Portanto, iniciei o trabalho sem ter as tais respostas que procurava: percebi que isso seria uma dificuldade, mas ao mesmo tempo um desafio, pois a missão poderia ajudar a desencadear ou mesmo sensibilizar as pessoas sobre a necessidade de se obter e ou produzir informações sobre a história, a educação, a realidade econômica e social que pudesse subsidiar o planejamento das ações prioritárias para produção de uma política pública em educação de jovens e adultos.
O princípio que embasou todo o trabalho desta e das outras missões foi construir com as pessoas o Projeto Político Pedagógico. A ideia inicial era levantar os conhecimentos prévios dos participantes sobre a história da EJA em STP; os fundamentos que norteiam o PPP; os objetivos e a função social do PPP; o papel e a atribuição de todos os envolvidos; a proposta de formação necessária e adequada à execução do Projeto; o perfil dos educandos, educadores e coordenadores pedagógicos; a localização geográfica das salas e a caracterização dos espaços físicos onde funcionam as aulas; as diretrizes curriculares; as concepções de alfabetização e de ensino e aprendizagem.
A metodologia foi inspirada nos princípios de dialogia de Paulo Freire. A proposta era possibilitar que os participantes apresentassem tudo o que sabiam, as experiências de vida e do trabalho que realizam com EJA. Depois, eram motivados a escrever o que haviam falado. Após essa primeira etapa, montávamos coletivamente um painel com todas as respostas produzidas, que posteriormente eram socializadas e debatidas. Isso foi realizado com todos os aspectos que havíamos pautado no início do processo formativo. Ao final das discussões de cada um desses aspectos, elaborávamos uma síntese.
Após a primeira missão, percebi que o trabalho estava no caminho certo, pois Helena Bonfim, que havia conversado comigo antes do início dos trabalhos, fez a seguinte avaliação: “Fiquei muito preocupada quando fui ao hotel encontrar com a professora brasileira, pois ela perguntava, perguntava e perguntava. Pensei que ela não sabia nada e que a formação não seria boa. Quando os encontros começaram, vi que ela não dava aula, que ela só fazia perguntas, mandava a gente responder no papel sulfite e depois discutia o que havíamos escrito. Agora vejo nas paredes todos esses cartazes e percebo que ela estava certa e que soube extrair de nós muitas coisas sobre a nossa história, nosso trabalho com os adultos, que não estavam escritos em nenhum documento ou livro”.
*Professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).