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Letra A • Sexta-feira, 20 de Janeiro de 2023, 14:36:00

Oralidade e podcasts como plano de ensino

Professora do 7º ano e alunos desenvolvem podcast para trabalhar as oralidades plurais da Língua Portuguesa

por Pedro Eufrosino

O projeto SétimoCast é um podcast de Língua Portuguesa realizado pelos estudantes das turmas de 7º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Enéas Carvalho de Aguiar, localizada na zona norte de São Paulo. O podcast tem a supervisão da professora de Língua Portuguesa Talita Zanatta.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental II traz a oralidade como ponto nevrálgico da prática pedagógica, bem como a escrita. Contudo, muitas vezes, a linguagem oral dos alunos acaba suprimida/apagada em favor de um ideal de oralidade padrão. Dessa forma, a professora Talita concebeu um projeto em que as atenções seriam voltadas para as oralidades plurais dos estudantes em sala de aula, em contraste com a gramática normativa que opera como um modelo de língua escrita.

Segundo Talita, é importante as crianças perceberem os modos como elas falam, os modos pelos quais elas articulam as frases para se expressarem, já que isso “contribui para o aumento da autoestima linguística individual, e também para pensar a aula de Língua Portuguesa, em que os alunos deverão adquirir a capacidade de analisar a língua, assim como a sua própria oralidade, como uma variante legítima dessa língua”.

Inicialmente, a professora levou para a sala de aula alguns exemplos de podcast que seguem o gênero entrevista, em especial, os programas “PodPah” e “ManoaMano”, para que os estudantes pudessem analisar e perceber as formalidades e as informalidades das entrevistas. Talita afirma que “trouxe esse exemplo para eles pensarem exatamente que a criação das entrevistas no podcast não precisaria ser formal, já que os alunos sempre têm um certo pavor à formalidade, à gramática da língua portuguesa”. Após as análises coletivas, os alunos se dividiram em grupos e escolheram temas diversos para os episódios, que variaram de perspectivas LGBTQIA+, passando por atletas, esportes e, finalmente, conversas com professores, coordenadores e a vice-diretora. Talita conta que deixou a escolha dos temas e dos entrevistados livre, para que os alunos tivessem interesse em se aprofundar no assunto, desenvolvendo gênero textual ‘entrevista’.

A partir das entrevistas e da escuta dos episódios em sala de aula, a professora e os alunos perceberam as intercalações entre formalidade e informalidade nas gravações. De acordo com o contexto e com as pessoas entrevistadas, os estudantes foram mudando a forma com que utilizavam a linguagem. “Isso ocorre porque eles querem atender aquele contexto que eles criaram com aquela pessoa, o que demonstra desenvoltura e aprendizado da língua e das suas formas; a língua é viva e criativa”, destaca a educadora.

O projeto focado na oralidade não se enraíza apenas na fala, mas também é uma atividade que engaja a produção da escrita e da leitura, já que os alunos precisaram desenvolver um roteiro para as conversas. Por meio da criação, Talita conseguiu perceber as defasagens e os pontos de alfabetização em que cada um dos alunos se encontravam e, a partir dessa amostragem, desenvolver caminhos para auxiliá-los em suas dificuldades. A professora finaliza apontando a potência que o projeto teve em fazer com que os alunos perdessem a vergonha do seu modo de falar, “compreendendo a pluralidade das oralidades e suas particularidades”.

 

Poesia de Criança: uma experiência de afeto

Por meio do incentivo, alunos e alunas em alfabetização expressaram seu mundo de modo singular, trazendo beleza e afeto às aulas de português.

por Pedro Eufrosino

A experiência literária, ao aproximar as crianças da dimensão estética das linguagens, ora como ouvinte/leitora, ora como autora, possibilita que elas desafiem sua própria inteligência simbólica, constituindo, assim, o que Paulo Freire chamou de “leitura do mundo”, em que os alunos participam de um jogo lúdico com a leitura e a escrita. Por meio desse exercício, a atividade literária adquire significado para os pequenos, ao se reconhecerem e dizerem sobre si, fazendo uso de suas experiências, enquanto constroem culturas e histórias dentro do mundo social em que vivem.

É pensando nisso que a professora alfabetizadora da Escola Municipal Henriqueta Lisboa, mestra em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Queila Cristina de Oliveira, desenvolveu o projeto “Poesia de Criança”. Nele, crianças em fase de alfabetização desenvolveram poesias com os mais variados temas que, ao final, se transformaram em uma antologia intitulada “Hoje tem poesia”, que está na biblioteca da escola e disponível a toda comunidade. A curadoria foi da própria professora e contou com a participação dos alunos-autores, que também desenvolveram as ilustrações dos poemas e uma capa temática para o livro. Queila nos conta que “[as] poesias surgiram em um contexto de diálogo, permeado por uma postura interdisciplinar e de letramento, considerando toda a infância no ciclo de alfabetização. Dessa forma, os alunos foram os anfitriões e os autores nesse processo criativo e protagonizaram e produziram suas relações frente ao conhecimento”.

Sem hierarquias rígidas, a professora respeitou o direito das crianças de brincarem frente ao desafio de escrever poesias. Segundo ela, é possível perceber que as professoras do Ensino Fundamental ainda têm dificuldade com a questão do brincar. “Ainda é um desafio para nós, e as crianças são crianças; eu, inclusive, aprendi a brincar com elas, a ponto de interpretar suas brincadeiras também como uma arte poética e construtiva”, explica. Desse modo, para uma boa produção de texto de qualquer gênero, o autor, neste caso, a criança-autora, necessita de um leitor amigo. Queila enfatiza que a leitura dos poemas elaborados pelos alunos precisa ser afetuosa, respeitando as produções e apostando nas qualidades dos indivíduos. Essa transferência de afetividade é essencial.

As crianças foram estimuladas pela professora por meio da leitura de poesia e da escuta de músicas que a educadora levava para a sala de aula, tudo com o objetivo de despertar nelas o interesse pela escrita de poemas. Queila relembra uma situação de destaque: “quando começamos a ler os poemas que os estudantes trouxeram, percebemos que as próprias crianças começaram a influenciar os textos dos colegas de sala: um dos alunos trabalhou com a pipa e dias depois outras crianças trouxeram poemas com a temática de brinquedos ou de brincadeiras, demonstrando que todos se afetam nessa troca”.

À medida que os alunos foram levando para a sala os poemas que desenvolviam em casa, Queila pôde fazer intervenções para ajudá-los, por exemplo, a corrigir erros de ortografia, de conjugação verbal e de concordância. Segundo ela, as mediações eram feitas sempre com zelo e destaque às qualidades das obras. “Corrigir o texto é sensível a elas; não posso ser uma juíza riscando o original com um martelo e uma sentença. É preciso entender o que elas quiseram dizer, indicar possibilidade de mudanças e aguardar, pois muitas vezes podemos intervir e alterar o sentido da obra que não nos diz respeito”, completa a professora.

Após a leitura dos textos, a turma precisava de um novo suporte para abraçar os muitos poemas produzidos. Para tornar pública a obra, a professora e os alunos dialogaram sobre a diagramação e a construção da primeira edição do livro “Hoje tem poesia!”. Ao todo, 30 exemplares foram produzidos artesanalmente pelos estudantes e por Queila. A escola recebeu algumas edições coloridas e outras em fotocópia em preto e branco e cada aluno levou para casa um exemplar de sua primeira publicação literária.