Com quais letras se escreve professor?

Reflexões sobre a iniciação à docência em turmas de alfabetização


     

Letra A • Segunda-feira, 24 de Agosto de 2020, 16:32:00

 
Camila Sant'Anna Vieira*
 
Num país que ainda luta para superar o analfabetismo, ensinar e aprender a ler e escrever é um desafio para muitos alunos e professores. Nesse contexto, tornar-se professor alfabetizador não é fácil. Como bolsista de iniciação à docência, tenho aprendido que o cotidiano do ciclo de alfabetização exige que o docente não só mobilize conhecimentos de diversas naturezas para compreender como os alunos aprendem, como também desenvolva variadas estratégias para auxiliar alunos com diferentes demandas a adentrarem o mundo da leitura e da escrita.
 
A formação inicial, no curso de Pedagogia, nos oferece bases teóricas para compreendermos os aspectos cognitivos, linguísticos e culturais envolvidos no processo de aquisição do sistema de escrita alfabética, além dos caminhos metodológicos para seu ensino. No entanto, estar com as crianças e ajustar nossas práticas com base no que elas nos mostram é parte fundamental do aprender a alfabetizar. É por isso que a oportunidade de estar em uma sala de aula dos anos iniciais, ainda no começo da graduação, proporcionada pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID/CAPES/UFMG), foi uma experiência que transformou minha trajetória de formação docente.
 
Iniciação à docência
 
O PIBID é, portanto, uma política de formação de professores do Ministério da Educação que possibilita aos alunos de licenciatura, ainda na primeira metade do curso, a experiência de inserção em sala de aula. O programa, financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), concede bolsas a alunos e professores envolvidos em projetos que, por meio da integração entre o ensino superior e a educação básica, focam na formação inicial dos futuros professores, a fim de promover a qualidade do ensino nas escolas.
 
Em janeiro de 2020, encerrou-se a mais recente edição do programa, do qual tive o privilégio de participar como integrante do Núcleo dos Anos Iniciais da Pedagogia na UFMG. O núcleo foi composto inicialmente por nove alunas dos primeiros períodos do curso, pela coordenadora Daniela Montuani, professora da FaE/UFMG e pesquisadora do Ceale, e pela supervisora Simone Pereira, professora das redes estadual e municipal de Belo Horizonte. Ao longo dos dezoito meses de duração do programa, desenvolvemos, com turmas de primeiro e segundo ano, diversas atividades de Alfabetização e Letramento, com o objetivo de proporcionar às crianças experiências de aprendizagem significativas.
 
Aprender a ensinar
 
Ao chegarmos às escolas, inicialmente buscamos conhecer o espaço e os alunos, por meio de observações e avaliações diagnósticas que permitiram identificar as demandas de cada turma. Posteriormente, por meio de um modelo de trabalho construído em nossas idas semanais à escola, minhas colegas e eu tivemos a oportunidade de planejar, aplicar e avaliar propostas de ensino envolvendo sequências didáticas, jogos de alfabetização, momentos de leitura literária e ações de intervenção para auxiliar os alunos a superarem os desafios específicos na apropriação da leitura e da escrita. 
 
Participar como protagonistas de todas as etapas do processo nos permitiu ter dimensão da multiplicidade de demandas de uma sala de aula e também da diversidade de recursos necessários para alfabetizar todas as crianças. Ao nos depararmos com a heterogeneidade das turmas e com as desigualdades educacionais entre alunos de diferentes origens, fomos desafiadas a elaborar várias estratégias para ampliar e diversificar as oportunidades de apropriação da língua oferecidas aos alunos.
 
Nesse processo, com o apoio e a orientação da professora Daniela Montuani, as reuniões semanais de estudo e planejamento no Laboratório de Alfabetização e Letramento da FaE/UFMG foram momentos privilegiados de aprendizado, que nos permitiram refletir sobre os desafios e aprimorar nossa prática. A convivência com a professora Simone Pereira, responsável pela turma, foi também fundamental para que nos sentíssemos acolhidas e seguras no desenvolvimento das atividades. Sua dedicação ao trabalho e a disposição para aprender enriqueceram a experiência de todos os envolvidos.
 
Ao longo do programa, pudemos conquistar progressiva autonomia nos registros dos planejamentos que, com a prática, tornaram-se cada vez mais efetivos, e consolidaram-se como parte imprescindível do nosso trabalho.
 
A capacidade de organizar procedimentos, antecipar ações e elencar recursos para atingir objetivos bem definidos provou ser um dos mais importantes atributos desenvolvidos no exercício da docência.
 
A experiência de acompanhar o desenvolvimento de uma turma de alunos no início da escolarização, por todo o ano letivo, nos possibilitou também aprender com eles. Em diversos momentos, foram as reações das crianças, suas dúvidas e comentários que me indicaram a melhor forma de me conduzir e de me comunicar com elas. As respostas delas às nossas perguntas frequentemente superavam nossas expectativas e traziam desvios bem vindos aos momentos de linguagem oral. Conhecer de perto cada aluno, compartilhando a satisfação deles em aprender, mostrou que o afeto é também uma dimensão central do ensino.
 
Como minha primeira experiência de docência, o PIBID redefiniu meu olhar sobre a escola e sobre ser professor. Conhecer os desafios da educação pública tem me motivado a reconhecer a importância dessa e de outras políticas de formação de professores, que colocam o conhecimento produzido na universidade a serviço da construção de uma escola de qualidade, em que todas as crianças tenham a oportunidade de aprender a ler e escrever.
 
*Estudante de graduação do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).