Da oralidade à escrita
Em entrevista ao Ceale, professora da Universidade Federal da Bahia aborda a importância da cultura lúdica na linguagem oral e escrita
Geral • Quarta-feira, 03 de Outubro de 2018, 11:42:00
No dia 26 de setembro, a professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Liane de Castro abordou no Ceale Debate o tema “Textos poético-musicais da tradição oral na apropriação da linguagem escrita”. No evento, a pesquisadora discutiu os principais textos poéticos-musicais da linguagem oral na perspectiva do aprendizado, defendendo que não se perca no processo a função de brincar e brincar com a linguagem. Confira abaixo a palestra na íntegra:
Em entrevista ao portal do Ceale, Liane falou mais sobre o assunto, afirmando que considera a tradição oral na cultura lúdica relevante para os processos de alfabetização e letramento. A professora também defendeu a importância da preservação deste tipo de linguagem nos contextos lúdicos: “É um repertório vivo que a gente mobiliza nas práticas cotidianas (...), eu penso que a importância é da gente preservar e cultivar e mobilizar e renovar esse acervo porque diz respeito a nossa cultura”, afirmou a professora.
Confira a entrevista na íntegra:
Qual a importância de se preservar as tradições da linguagem oral?
A tradição oral é uma herança cultural do nosso povo, riquíssima e realmente vista de uma forma muito folclorizada, como uma coisa estática, romântica, a ser resguardada e resgatada a todo custo.. mas não é. É um repertório vivo que a gente mobiliza nas práticas cotidianas, embora hoje esteja desaparecendo um pouco em função da cultura lúdica ser mais ampla e ter outras preocupações e dos espaços de sociabilidade como a praça, a rua, os quintas hoje serem menos presentes na vida das crianças. Então eu penso que a importância é da gente preservar e cultivar e mobilizar e renovar esse acervo porque diz respeito a nossa cultura né, a nossa cultura lúdica e que traz às crianças um repertório de linguagem onde elas possam ouvir a linguagem materna, desde as cantigas de ninar, isso tem uma importância no desenvolvimento da linguagem oral… então acho que é a cultura lúdica, as práticas de oralidade tem relação com letramento e alfabetização, então acho que é um repertório muito rico e que a gente precisa mobilizar mais e não deixar as crianças desprovidas dessa experiência sensível com esse repertório cultural.
Como não perder o caráter lúdico e explorar também a dimensão estética neste processo de apropriação da linguagem escrita?
Exatamente, como eu defendo, tomar esses textos como parte deles para a alfabetização, no sentido de que eles são muito privilegiados para pensar sobre a linguagem justamente por que eles trazem muita sonoridade. Quando você brinca de “Quando digo digo digo digo não digo Diogo…” são sonoridades, muitas rimas, muitas aliterações, muitas assonâncias, é sem perder este caráter lúdico, é na continuidade das práticas lúdicas. Porque se você toma eles como pretexto, você já mata a questão da cultura lúdica, estética. Então a preocupação nessa defesa, que foi muito o que eu falei lá no Ceale Debate, é de sem perder essa dimensão lúdica e estética na continuidade dessas práticas brincantes. E é isso, brincar com a língua é natural da criança, então é aproveitar isso para refletir sobre a língua, de uma forma contextualizada , alegre e brincante.
A passagem da linguagem oral para escrita afeta de que formas o processo de alfabetização?
Naturalmente, o texto oral tem composição oral e um gênero da oralidade, ele é feito para ser dito de memória, pela voz, pelo acontecimento que é singular ali, naquele momento. E é lógico que, por exemplo, voltando à questão anterior também, quando você toma ele já como um produto da escrita para analisar a língua, sem ter explorado na oralidade, você perde no sentido de que você está tomando algo que é um gênero oral com função que é brincante para outra coisa, que é refletido sobre a língua. De novo que eu falo que é nessa continuidade, e aí uma vez que eles são memorizados para brincar, eles se tornam contexto e não pretexto, contexto privilegiado para pensar sobre a língua e o fato de que você ver escrito né, porque toda a reflexão fonológica na oralidade, ela tem um limite quando você vê escrito, você amplia muito a sua possibilidade de reflexão fonológica. Mas aí é ver escrito depois de já ter brincado muito no contexto da oralidade, aí já é outra coisa né.
Você tem um blog chamado Jogos e materiais para alfabetização, no qual posta atividades lúdicas que auxiliam nos métodos de alfabetização. Como você explora os dispositivos e o meio digital na realização de atividades de alfabetização e letramento para seu blog?
No blog, eu faço este trabalho com jogos, brincadeiras e materiais há muito tempo, eu ficava ali restrita em um espaço muito menor. Com o blog eu pude, principalmente com o perfil no Facebook do blog, eu alcancei muitas pessoas, então acho que essa troca foi bacana. Tem muita gente fazendo material no Brasil todo a partir do blog, das postagens que faço, das fotos.. Acho que contribui nesse sentido de alçar essa dimensão de material da ação docente e mesmo da formação docente a lugar menos desprestigiado. Às vezes, a dimensão material é vista como uma coisa técnica, instrumental, apenas. E não é, pois é relacionado com a concepção de alfabetização com outras estratégias didáticas, com objetivos de aprendizagem com a mediação que precisa ser feita, com o planejamento que vai incluir outros repertórios, que você vai articular literatura, jogos, e milhões de outros repertórios para atingir o mesmo o objetivo de aprendizagem, de diversas facetas linguísticas, socioculturais interativas, tudo ao mesmo tempo agora. É ali que eu acho que a gente tem espaço de discussão sobre essa coisas, divulgação, e para o jogo, o material didático, ter um lugar um pouco mais que é articulado a uma dimensão epistemológica, política, pedagógica, e não um mero instrumento, um mero apetrecho para você aplicar. Não é isso o jogo e o material.
Então você considera o blog como um fator importante para a divulgação dessas atividades lúdicas?
Exato, e eu fico muito gratificada de ver que tem gente fazendo, assim de longe, os materiais, testando, inventando outros a partir do que eu divulgo.. Então acho que isso é bacana, de poder alcançar mais pessoas e trocar.. E tem gente que me pede orientação, desde coisas de planejamento ou do funcionamento do jogo, até “que papel você usa para fazer, para ficar durinho”, então eu oriento, eu dou dicas pra gente de tudo quanto é tipo de coisa.
Você tem algo a mais para acrescentar?
É um trabalho que envolve desde a Educação Infantil ao ciclo de alfabetização, as crianças pequenas também refletem sobre a língua, também brincam, se perguntam e também podem fazer reflexões que são voltadas para língua, para a notação da língua e para o aspecto fonológico. E isso pode ser feito em contextos lúdicos e letrados e muito contextualizados e não mecânicos.