Dados da pandemia: os impactos da Covid-19 na Educação | parte 2


     

Letra A • Sexta-feira, 07 de Julho de 2023, 12:23:00

Acentuação das desigualdades

Segundo os dados reunidos da Nota Técnica divulgada pela ONG “Todos pela Educação”, existe uma diferença expressiva na taxa de não alfabetização quando comparamos as camadas mais ricas e mais pobres da população. De acordo com o levantamento feito a partir da Pnad Contínua, entre 25% das famílias com maior renda per capita do país, a taxa de crianças de 6 e 7 anos que não sabiam ler ou escrever era de 11,4% em 2019, passando para 17,4% em 2020 e 16,6% em 2021. Já no extremo oposto, dentre 25% das famílias com menor renda per capita, o número era de 33,6% em 2019, subindo para 39,7% em 2020 e 51% em 2021. Isso mostra que, mesmo em valores proporcionais, o impacto negativo na alfabetização foi significativamente maior nas famílias mais vulneráveis.

A desigualdade social é um dos fatores que se mostrou mais determinante para o aumento de crianças que não sabem ler ou escrever. “Falar de ensino remoto num país desigual como o nosso é esquecer a realidade: quase a totalidade das crianças que frequentam as redes públicas não tiveram exatamente ‘ensino remoto’”, afirma o professor Artur Gomes de Morais (UFPE). Segundo ele, isso se deve porque muitos desses estudantes não tinham acesso à internet, ao computador, ou tinham que dividir um aparelho celular com o restante da família. Além de que muitas redes de ensino não davam aulas que ocupassem completamente os turnos do dia letivo. Assim, a carga horária de aula era muito menor do que no presencial. Para Francisco Soares (UFMG), mesmo que as escolas tenham se esforçado para entregar um conteúdo, talvez não tenham conseguido alcançar o objetivo da alfabetização por uma questão que envolve fatores externos à própria instituição. “A escola tem que acolher, ela tem que acompanhar, verificar, enfatizar aquelas crianças que estão ficando [defasadas], mas eu insisto, isso não é suficiente, nós temos problemas de desigualdade e, portanto, eu tenho que olhar onde está essa desigualdade que vai estar mais numa escola do que na outra”, conclui o professor.  

Quando comparadas a outras etapas de ensino, crianças menores parecem ter sido mais afetadas do que adolescentes, por exemplo. Segundo o professor Tiago Bartholo, isso aconteceu, provavelmente, porque na educação infantil a formulação de atividades é baseada na experimentação concreta e, também, porque a criança demanda mais a presença de um adulto a todo tempo ao seu lado, já que não tem completa autonomia para manusear os equipamentos da aula em vídeo. E aqui, novamente, aquelas cujos responsáveis não podiam acompanhar as aulas, porque precisavam trabalhar, ficaram mais prejudicadas. “Nós temos pais que conseguiram garantir um processo de uma rotina de leitura, de mostrar material, às vezes até aquisição de livros, outros pais explicitam: ‘Olha, ele está assim porque eu não tive tempo de dedicar’. E não tinha mesmo, eram pais trabalhadores, não paravam de trabalhar o tempo todo”, confirma a professora do Centro Pedagógico da UFMG, Kely Souto. Mariane Koslinski (UFRJ) reforça também que, no caso de famílias mais vulneráveis, alguns pais tinham muito pouca escolarização, ocorrendo uma dificuldade em fazer o que era pedido. “Não é razoável a gente pensar que os pais vão substituir os professores, que são especialistas na área de educação. Então, é razoável a gente pensar que faz sentido se a gente tira o potencial da escola, as desigualdades aumentam”, ressalta a professora.

Dentro dos estudos realizados por Mariane e Tiago, também foi constatado que os impactos negativos no aprendizado atingem mais profundamente crianças com menor nível socioeconômico, mas, mais do que isso, as informações reunidas trouxeram à luz a importância da escola pública. Em Sobral, observou-se que, em um contexto de normalidade, todos os estudantes aprendiam em um ritmo muito semelhante, independentemente da origem social, até que em 2020, com o ensino a distância, as análises apontaram que, na mesma rede de ensino, crianças mais vulneráveis aprenderam 50%, ou seja, a metade do que seus pares não vulneráveis. Tiago explica que isso reforça o que se chama de “efeito protetor” da educação infantil, em que ela “ajuda mais quem precisa mais”. O pesquisador esclarece que os efeitos negativos foram encontrados em todas as escolas, mas eles foram maiores nas escolas conveniadas do Rio de Janeiro – que têm um perfil socioeconômico dos estudantes mais próximos das escolas públicas – e ainda maiores na rede municipal de Sobral. “Então isso reforça o papel da escola, em especial, da escola pública, na promoção de mais equidade, na garantia de direitos e de oportunidades para os mais pobres”, destaca o professor.

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