Desafiar mesmo na limitação


     

Letra A • Quarta-feira, 27 de Julho de 2016, 10:18:00

 

Por Poliana Moreira

“A criança com deficiência, quando chega à escola, traz uma história”, afirma a professora e pesquisadora da Faculdade de Educação da UFMG Regina Célia Passos Ribeiro de Campos, que fala nesta entrevista ao Letra A sobre materiais didáticos para a educação inclusiva. Na escolha dos recursos a serem utilizados no trabalho pedagógico com um aluno com necessidades especiais, o ponto de equilíbrio estaria em conhecer e respeitar as limitações daquele sujeito, mas sempre com a proposição de novos desafios.

Coordenadora do Grupo Interdisciplinar de Estudos sobre Educação Inclusiva e Necessidades Educacionais Especiais (Geine), Regina propõe que o professor atente não só para o percurso individual de cada aluno, mas também para as particularidades da escola e da sala de aula. Nesse sentido, a inclusão se realizaria não apenas na criação ou na utilização de materiais adaptados para a criança com deficiência, mas na construção de “uma pedagogia universal, para todas as crianças”. “Vamos utilizar esses recursos como aliados, desde que eles não segreguem essa criança na sala de aula”, defende Regina.

Quais os critérios utilizados na produção dos materiais didáticos voltados para a educação inclusiva?

O primeiro critério que teríamos que entender é que cada sujeito é único. Por exemplo: ao construir uma cadeira para uma pessoa com deficiência, se você não medir as pernas e a coluna dela e adequar a cadeira a esse sujeito, você vai construir algo que, talvez, ao invés de ajudá-lo, prejudique. Fazemos essa leitura da mesma forma com relação aos materiais pedagógicos. A criança com deficiência, quando chega à escola, traz uma história. Ela tem uma deficiência adquirida há um determinado tempo, que pode ser desde o nascimento, ou após os três anos de idade, aos cinco anos... O que foi feito para essa criança em termos de estimulação precoce? Em que estágio de desenvolvimento ela está? Quais atrasos pedagógicos ela trouxe em termos de defasagem? Não necessariamente são atrasos de desenvolvimento, mas atrasos sociais ou pedagógicos. Em que contexto a família vive? Em que sujeito os pais acreditam que essa criança vai se tornar? O que os pais estão apostando com isso? Então, quando se pensa em material didático, o primeiro critério seria estar com esse sujeito e conhecê-lo.

Conhecer a particularidade da escola seria um segundo critério. Que escola é essa? Que professor é esse? Que sala de aula é essa? Para se construir um objeto de aprendizagem, é preciso fazer uma observação antes, entender a dinâmica da sala, compreender que aquele objeto de aprendizagem cumpre uma função pedagógica, que vai trazer não só os elementos do conteúdo, mas também os elementos da cultura e da interação social. O material pedagógico deve passar pelas vertentes lúdica e interativa, ser voltado para essa criança, e, principalmente, facilitar para ela não apenas (ou não prioritariamente) o conteúdo, mas oferecer uma possibilidade de interação e de crescimento em termos das habilidades sociais que são necessárias para esse sujeito.

Existe a obrigatoriedade de que esses materiais pedagógicos sejam, de alguma maneira, similares aos do resto da turma?

Eu não diria obrigatoriedade, mas existe um conceito chamado design universal, que diz que seria adequado que todo o material voltado para pessoas com deficiência tivesse um uso universal. Por exemplo, se um elevador tem os botões mais baixos, contempla a pessoa com deficiência e as pessoas que não gostariam de subir de escada. Já a rampa tem um design universal desde que tenha, dentro das normas técnicas, um grau adequado para que o sujeito na cadeira de rodas tenha autonomia para subir. Não é necessário construir uma rampa e uma escada, basta a rampa, porque as pessoas que não usam cadeira de rodas podem subir por ela. A perspectiva hoje é que cada vez mais os materiais adaptados não o sejam unicamente para o indivíduo [com necessidades especiais], mas para o uso de todos. Uma criança alfabetizada em braile, que usa um livro didático, precisa que esse livro seja adaptado para ela. O livro pode ser colorido, ter todas as letras e ter o braile junto, adaptando de forma que, mesmo que ela não enxergue as cores e as palavras escritas ali, seja um livro semelhante ao dos colegas. E aquele aluno [com deficiência visual] vai estar na mesma unidade, no mesmo tempo, no mesmo conteúdo que os demais. Portanto, o ideal seria que o material didático fosse universal.

As tecnologias digitais são grandes aliadas na educação de alunos com necessidades especiais. O que é importante para realizar um uso proveitoso dessas tecnologias na educação inclusiva? E quais os cuidados para não se perder a dimensão pedagógica ao se utilizar esses recursos?

Não só os recursos digitais, mas vários outros recursos têm sido utilizados para a criança com deficiência. Atualmente, vários estudos abordam a questão dos softwares, como o Mathematics, que vai ajudar na compreensão da geometria. Nós temos, também, por exemplo, softwares ligados a Libras (Língua Brasileira de Sinais). Eu diria que essa tecnologia da comunicação e da informação vai ser uma grande aliada no trabalho da educação inclusiva e cada vez mais o professor precisa se apropriar disso. Existem muitos recursos, mas pouca divulgação e pouco uso dentro da escola. Temos que pensar que a presença desse sujeito [com deficiência] na escola pode trazer grandes mudanças e contribuições ao aprendizado pedagógico. A prática tradicional não cabe mais com a presença da criança com deficiência; não mesmo. Com o passar dos anos, eu acredito que a educação tem muito a avançar em relação a isso, porque o professor que recebe uma criança autista, uma criança surda, ou uma criança com qualquer outro tipo de deficiência vai buscar e encontrar muitos recursos. A aula dele não vai ser mais a mesma, e não pode ser a mesma.

 


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