Dicionário da Alfabetização: Capital cultural
Rodrigo Prado Mudesto – cientista social, mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
Letra A • Segunda-feira, 19 de Dezembro de 2016, 16:48:00
Formulado na década de 70 pelos sociólogos Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, capital cultural é um conceito originalmente cunhado para buscar compreender o desigual desempenho escolar de estudantes de diferentes classes sociais, destacando o impacto dos bens culturais familiares que precedem a escola. Partindo de uma ampla investigação da educação na França, tornou-se universalmente acolhido pelo sucesso em contrapor explicações que recorrem ao esforço ou à aptidão individuais, oferecendo uma relação causal que compreende melhor o sucesso escolar de estudantes oriundos de grupos sociais específicos, como famílias em que os progenitores já tinham formação superior.
O capital cultural é acumulado ao longo da vida e encontrado sob três formas. Uma institucional, como títulos e encargos de distinção (doutorado, convites para palestrar e para opinar na mídia, reconhecimento como artista...). Uma segunda forma é aquela materializada na posse de bens, como livros e obras de arte. Mas é a terceira – a qual Bourdieu chamou de ‘incorporada’ (porque impressa no próprio corpo) – aquela que mais interessa aos estudiosos da educação.
Uma criança que cresce em contato com a literatura e as artes chanceladas oficialmente – o que algumas vezes é chamado de alta cultura –, ao entrar na escola, e durante toda a escolarização, terá facilitada e adiantada sua tarefa de saber como deve se expressar para ser reconhecida por seus professores, porque os signos necessários já fazem parte de seus hábitos. É o caso da ‘norma culta’. Uma criança migrante, ameríndia ou que cresceu ouvindo ‘girias do morro’ talvez precise começar seu aprendizado da gramática normativa pelos rudimentos mais básicos e, mesmo se esforçando, continuará se expressando com pouca naturalidade; já uma criança que cresceu conversando e sendo pré-alfabetizada por pais que vivenciam a norma culta encontrará na escola o reforço de algo que lhe é habitual, um capital cultural que já possui. Ao atentarem para isso, os professores percebem o sentido do trabalho para que a criança adquira proficiências necessárias ao seu futuro na sociedade, sem culpá-la por não ser ainda portadora do capital cultural que distingue as classes dominantes.