Editorial: Diálogos entre linguagens e entre disciplinas


     

Letra A • Quarta-feira, 12 de Agosto de 2015, 18:27:00

A amplitude do conceito de linguagem certamente aponta para uma natureza complexa das possibilidades de produzir sentidos. Com o uso de signos os mais variados, a tarefa de construir e de reconhecer significados nos gestos, nas palavras, nas cores, nas formas, torna-se uma atividade interpretativa condicionada por fatores os mais diversos, especialmente os históricos e os sociais, já que uma linguagem é situada no tempo e está a serviço de uma comunidade. A complexidade também ganha dimensões outras quando o foco se desloca para a cultura escrita. Em uma noção mais ampliada de escrita, certamente estão incluídos registros e notações que ultrapassam os limites das letras. Para além das metáforas de aprendizado presentes no termo ‘alfabetização’, os conceitos de alfabetização (e de letramento) que incorporam adjetivos que indicam essas especificidades (alfabetização matemática, alfabetização científica, alfabetização cartográfica, dentre outras), sinalizam essa necessidade de abordagens que reconheçam a natureza peculiar de cada linguagem. Por outro lado, esse reconhecimento de especificidades não pode anular um movimento integrador dessas linguagens, com a indicação de pontos de diálogo. Esse foi o esforço empreendido pela equipe do Pacto de 2014, cujos resultados são encontrados nesse número especial. Em uma publicação que se caracteriza pelo foco nas questões da oralidade, leitura e escrita, foi um desafio apresentar discussões relativas às linguagens da matemática, trazendo algumas luzes para a alfabetização matemática e para o numeramento, associadas às questões que vimos tratando em nossa publicação.

O reconhecimento dessa complexidade traz implicações sobre o modo de se conceber a aprendizagem das linguagens presentes na cultura escrita, entendendo-a como uma aquisição e um desenvolvimento não só de habilidades para reconhecer e produzir elementos simbólicos, mas principalmente de promover práticas situadas para favorecer usos sociais, potencializando uma variedade de formas de interpretar a realidade. Nessa direção, a presença de diferentes códigos no mundo da escrita demanda procedimentos específicos que reconheçam as regras de funcionamento de cada linguagem, na sua especificidade e, também, na sua complementaridade. Não sem razão, portanto, no processo de alfabetização e nas práticas de letramento, há um ideal de interdisciplinaridade que precisa ser concretizado, já que os textos podem ser realizados com a integração de vários recursos de linguagem. Assim, quando se pensa na ação docente que organiza tempos de ensino em cujo planejamento estão incluídas estratégias que sinalizam diferentes linguagens, é preciso destacar o esforço para promover tanto o ensino das linguagens específicas quanto, principalmente, a sua presença múltipla materializada nos textos e nos discursos. Por isso, justifica-se a defesa de um necessário diálogo entre ações disciplinares e interdisciplinares no processo de escolarização, já que a cultura escrita faz, inevitavelmente, uso de diferentes linguagens.

Atuar com as diferentes linguagens no mundo da escrita exige, no processo de ensino, uma concretização desse ideal de interdisciplinaridade que possa ser identificado nas ações do docente, especialmente se o intuito é o de favorecer uma maior sistematização  do conhecimento com o horizonte nas práticas sociais de uso desses conhecimentos. No contexto do programa de formação continuada proposta pelo PNAIC (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa), deliberadamente foram previstos momentos para se discutir a natureza ampla da linguagem, trazendo as especificidades das disciplinas. Assim, o Pacto agrega equipes de formação continuada que enfrentam o desafio de conciliar uma dinâmica que sedimenta alguns avanços, como o de colocar em destaque as práticas de leitura literária, por exemplo, aliada a novas necessidades não só curriculares, mas também de construção de abordagens com maior sintonia com o processo de aprendizagem de outras linguagens, ou seja, a necessidade de considerar o sujeito de aprendizagem com todos os condicionantes sócio-históricos que situam o aprendiz nesse universo complexo das linguagens no contexto da cultura escrita.

Neste número temático do jornal Letra A, então, abre-se espaço para evidenciar as especificidades da linguagem matemática, indicando as suas implicações para uma desejável ‘alfabetização matemática’ e para uma efetivação de práticas sociais do ‘numeramento’. Nas entrevistas, nos depoimentos, nos relatos, são apresentados argumentos que permitem identificar a natureza peculiar de alguns dos temas que envolvem o ensino e a aprendizagem da Matemática, mas também há elementos que reforçam a necessidade de ações interdisciplinares que assumam a multiplicidade de linguagens que estão presentes na cultura escrita e que, certamente, devem estar também presentes no processo de ensino e de aprendizagem nas situações escolares.