Editorial - Letra A 40

Educação Infantil brasileira: identidade em construção


     

Letra A • Segunda-feira, 22 de Dezembro de 2014, 15:11:00

Apesar de definida pela Constituição Federal de 1988 como um direito social, somente em 1996 a Educação Infantil recebeu da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) o detalhamento quanto a sua oferta e funcionamento. Mas a LDB necessitava de normas, de leis complementares e de políticas – sobretudo, de financiamento. No final dos anos 1990, a prioridade do país era universalizar o Ensino Fundamental. Somente em 2007, com a aprovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) pode-se dizer que a Educação Infantil, como primeira etapa da educação básica, "nasceu" efetivamente no Brasil.

Desde então, o país vem alterando importantes instrumentos legais e normativos e, assim, ampliando investimentos na educação da criança de 0 a 5 anos. Essas alterações, extremamente importantes, convivem, entretanto, com o problema relutante da qualidade do atendimento. Dentre os múltiplos aspectos que perpassam a discussão sobre qualidade, as questões sobre o que ensinar e de como fazê-lo constituem desafios. A discussão sobre o ensino e a aprendizagem da linguagem escrita é um dos temas emblemáticos na construção da identidade e da qualidade do atendimento na Educação Infantil. Nesse campo, diferentes visões em disputa buscam lugar nas políticas e nas práticas dos educadores.

Apesar de deliberações do Conselho Nacional de Educação determinarem o corte etário para o ingresso no Ensino Fundamental (6 anos completos ou a completar até março do ano da matrícula), estados e municípios têm praticado cortes etários diversos, matriculando crianças com 5 anos no 1º ano. O que se observa é uma entrada precoce em um Ensino Fundamental sem adequações consistentes de espaços, mobiliário, equipamentos, currículos e propostas de trabalho. Em muitos casos, essa entrada das crianças de 6 anos no Ensino Fundamental é acompanhada da expectativa de que a apropriação do sistema de escrita ocorra já nesse primeiro ano. Como consequência, imputa-se à Educação Infantil a tarefa de preparar para esse aprendizado.

O contexto atual mostra o quanto o aprendizado da leitura e da escrita tem relevância na construção da identidade da Educação Infantil. A discussão é polêmica e igualmente importante e urgente. Qual é a função da Educação Infantil no acesso das crianças à cultura escrita? Qual é o seu papel na formação de leitores? Que textos podem ser disponibilizados para as crianças e de que forma devem ser trabalhados? Que práticas educativas devem ocorrer na primeira etapa da Educação Básica? Como as crianças pequenas leem e escrevem? Qual é o interesse delas por esse objeto de conhecimento? O que podem ou devem ler e escrever nas creches e pré-escolas? Que temas, conteúdos, saberes e conhecimentos devem constituir a formação do professor da Educação Infantil para assegurar à criança uma prática eficaz e adequada às especificidades da primeira infância?

Essas e outras questões, centrais para a definição do lugar da Educação Infantil no país, nortearam esta edição especial do Letra A, toda voltada à primeira etapa da educação básica. A reportagem principal, ao refletir sobre a centralidade das linguagens na constituição dos sujeitos e de suas identidades, reforça a ideia de que a Educação Infantil não deve ter função preparatória para o Ensino Fundamental, mas, sim, a de garantir o acesso a formas complexas e variadas de compreensão e representação do mundo, com um currículo aberto à curiosidade da criança. Nessa perspectiva, a linguagem escrita cumpre um papel importantíssimo de apoiar as investigações de interesse das crianças, de ajudar a encontrar respostas para as perguntas que elas se fazem e de possibilitar o registro do que se aprendeu. A partir da entrevista com a pesquisadora argentina Ana Teberosky, bem como dos demais textos deste número, fica ainda mais evidente a necessidade da afirmação da Educação Infantil como uma etapa que encare as crianças de 0 a 5 anos como sujeitos que devem ser escutados e respeitados em seu processo educativo.

Boa leitura!