Educar para o consumo

Como a educação financeira e o letramento em marketing podem contribuir para a formação das novas gerações


     

Letra A • Quarta-feira, 27 de Julho de 2016, 09:54:00

 

Por Gabriel Rodrigues

Se alguém disser a uma criança para escolher entre uma nota de dez reais e três notas de dois, é bem provável que ela prefira a segunda opção. Um caminho para ajudá-la a adequar esse cálculo está na educação financeira, que envolve muito mais do que ensinar a cuidar das finanças pessoais: “Existem muito mais coisas relacionadas ao dinheiro do que a pessoa se preocupar simplesmente com o modo como ela o gerencia”, diz o professor Amarildo Melchiades, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que completa: “Por exemplo, formar as crianças para discutir ética, relações de trabalho...”.

A partir dessas noções, o Núcleo de Investigação, Divulgação e Estudos em Educação Matemática da UFJF, liderado por Amarildo, desenvolve com alunos do Ensino Fundamental a reflexão sobre educação financeira. Nos anos iniciais, os trabalhos envolvem, por exemplo, discutir e adaptar fábulas como a da Cigarra e a Formiga. “A educação financeira possibilita ao aluno ter conhecimento e poder ajudar os pais no planejamento financeiro, no orçamento da família. A geração passada não teve essa formação”, afirma Amarildo.

Exemplos para desenvolver aulas sobre educação financeira que cativem os alunos têm ganhado visibilidade. O Programa Educação Financeira nas Escolas é parte da Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF), que foi instituída em 2010. Em 2014, o Programa lançou uma série de livros que orientam professores e alunos do 1º ao 9º ano do Ensino Fundamental. Cada livro corresponde a um ano e apresenta conceitos e atividades que atendem ao desenvolvimento de cada etapa do Ensino Fundamental (ver Saiba Mais).

Um dos nortes do Educação Financeira nas Escolas é a “religação dos saberes”, ou seja, a confluência de conhecimentos de Português, Matemática, História e todas as outras disciplinas. Todas as áreas estão presentes nos livros para ajudar a compreender conceitos, como o de cidadania, e a desenvolver competências – por exemplo, distinguir desejos e necessidades de consumo no contexto familiar. A interdisciplinaridade do campo da educação financeira é destacada por Amarildo Melchiades, mas ele também reconhece a centralidade dos conhecimentos matemáticos nesse trabalho. “Um caminho é que todas as disciplinas discutam em algum momento esse tema. Em particular, a Matemática tem uma importância vital, porque ela permite que o aluno, ao refletir sobre educação financeira, possa fazer contas, possa operar com dinheiro”, ressalta.

 

Ler e agir no mundo

Mas, se não basta saber fazer contas para agir numa sociedade baseada no consumo, o que mais pode ajudar? O pesquisador Jônio Bethônico, que desenvolveu tese de doutorado em Educação na UFMG sobre “letramento em marketing”, defende a importância desse processo no Ensino Fundamental. O termo, esclarece o pesquisador, “refere-se à capacidade de lidar criticamente com os discursos de caráter publicitário, considerando toda a multiplicidade de mensagens: dos anúncios, dos comerciais de TV e das embalagens aos patrocínios esportivos e culturais, merchandisings em blogs, vitrines, entre outros tantos”. A reflexão crítica sobre o marketing, portanto, é essencial para desviar o cidadão de um consumismo que leve ao endividamento e não seja sustentável – afinal de contas, tudo o que consumimos gera impactos no planeta.

Em entrevistas realizadas com professores de Ensino Fundamental em Belo Horizonte, Jônio percebeu que a maioria deles abordava a publicidade em sala de aula. Neste trabalho, propõe o pesquisador, é interessante ampliar o tema e explorá-lo além de suas características como gênero textual, aliando-o a uma reflexão sobre o consumo. Assim, ele assinala que “se abre caminho para abordar a cultura do consumo por trás das campanhas, das marcas e das mercadorias: a obsolescência programada, a fugacidade da moda, o consumismo, os motivadores individuais e sociais das compras etc.”.

A noção de “letramento em marketing”, embora não figure sob a mesma nomenclatura, também tem vez no material do Programa Educação Financeira nas Escolas. Colocar-se criticamente frente à publicidade é uma das capacidades que o programa pretende estimular nos estudantes. Jônio Bethônico defende que o letramento em marketing caminha junto a um trabalho mais amplo de educação para o consumo: “Ambos têm o mesmo objetivo: reequilibrar as relações de consumo por meio da capacitação crítica dos sujeitos, a fim de fazer dos atos de compra algo sustentável e benéfico para si mesmo, para sua família, para o meio ambiente”, ressalta.

 

SAIBA MAIS

Educação Financeira nas Escolas

No volume do Programa voltado ao 1º ano, algo aparentemente simples – a batata – é o mote para desenvolver vários conceitos sobre consumo, mostrando a relação da educação financeira com o cotidiano. Conforme os anos avançam, os textos ficam maiores e os conceitos, mais amplos. No volume 4, por exemplo, o aluno é convidado a refletir sobre os gastos de uma família fictícia e a saber como funciona uma cidade.

Material está disponível gratuitamente em:  www.edufinanceiranaescola.gov.br/ensino-fundamental

Atividades de letramento em marketing

O projeto Redigir, da Faculdade de Letras da UFMG, cria atividades para serem utilizadas pelos professores em sala de aula, visando trabalhar habilidades de leitura, produção de textos e reflexão linguística. No eixo Letramento em Marketing, há uma série de atividades, como marketing em embalagens, marketing e Jornalismo Empresarial e marketing e Blogs/Vlogs.

Acesse em: sites.google.com/site/redigirufmg/atividades/letramento-em-marketing