Entre a casa e a sala de aula (4)


     

Letra A • Segunda-feira, 19 de Dezembro de 2016, 14:35:00

Família e escola: uma via de mão dupla

Em casa, na infância e na adolescência, a pedagoga Priscila Lana teve a figura paterna como importante referência de estímulo à leitura e ao estudo. Mesmo sem ter concluído o Ensino Fundamental, sua relação com o trabalho o estimulava a buscar o conhecimento. “Trabalhou o tempo todo com calderaria, com solda, com muitas peças, muitas medidas”, o que o levava a ser aficionado por livros de Geometria. Priscila lembra-se do pai lhe ensinando como usar a régua, o compasso. Da mãe, que também não concluiu o Ensino Fundamental, uma das recordações são os cadernos de receita escritos à mão, com letra bonita, passados a limpo quando as folhas amarelavam. Livros se tornaram artigo de consumo mais frequente de dois anos para cá, quando a mãe “se tornou uma idosa leitora” – a maioria dos títulos comprados por causa de indicações na TV.

Foi a partir desse resgaste de elementos de seu cotidiano familiar nos anos 1980 que Priscila partiu para conhecer e pesquisar outras famílias daquela vizinhança, no bairro Palmares, em Ibirité (MG). Em seu mestrado em Educação na UFMG, ela retornou à pesquisa que sua orientadora, Maria Lúcia Castanheira, havia realizado 20 anos atrás. Castanheira estudou as relações que crianças e suas famílias daquele bairro de camada popular tinham com a escrita, nos momentos imediatamente anteriores e posteriores à entrada na escola. De 2006 a 2008, Priscila revisitou as crianças pesquisadas naquela época, agora jovens adultos e, muitos deles, chefes de família. O paralelo feito por Priscila permitiu notar, tanto em sua família quanto nas demais, uma “preocupação com o futuro, de proporcionar uma formação”. Ao entrevistar esses jovens adultos, a pedagoga notou um discurso de valorização da escola e da família em igual nível de importância em sua educação.

Se nas famílias a valorização da escola era bastante clara, o contrário não aparece com a mesma força, relata Priscila. A ideia de que “o pai trabalha, a mãe trabalha, não querem nem saber [da escola]” foi notado nos dois momentos pesquisados, mesmo com uma distância de quase duas décadas. A percepção, como pesquisadora, de que “a escola avançou muito pouco nessa relação com a família” hoje leva Priscila a ter um cuidado especial em seu trabalho atual, como vice-diretora de uma Unidade Municipal de Educação Infantil (Umei) de Belo Horizonte. Nesse sentido, destaca que a instituição promove rodas de conversa mensais com pais e outros responsáveis e está sempre aberta para reuniões individuais com as famílias de alunos – “quando as famílias solicitam e também quando nós solicitamos”. Segundo Priscila, a ideia, ainda muito comum, de vincular creche ao assistencialismo tem sido quebrada, aos poucos, por essas estratégias. Nesse trabalho, observa a pedagoga, é fundamental “considerar a família como capaz de entender o papel importante da escola”.

 

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