Entrevista: O aprendizado pelos games

Lynn Rosalina Gama Alves, professora da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e coordenadora do grupo de pesquisa Comunidades Virtuais, fala ao Letra A


     

Letra A • Sexta-feira, 15 de Maio de 2015, 15:25:00

Além de propiciar um tipo próprio de letramento aos jogadores, os jogos digitais podem potencializar o desenvolvimento de atividades cognitivas das crianças e dos adolescentes, como a tomada de decisões, a negociação, a criação e a preservação de regras. Essa visão é defendida por Lynn Rosalina Gama Alves, professora da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e coordenadora do grupo de pesquisa Comunidades Virtuais, que já desenvolveu 11 jogos para plataformas digitais.

Para Lynn, ao lançar mão dos jogos que já estão inseridos no cotidiano dos jovens, o professor pode resgatar outro sentido da sala de aula: aprender de maneira divertida. Essa também é uma forma de o professor atender às demandas dos estudantes e renovar a escola, conferindo mais protagonismo aos alunos na aprendizagem.

Por Daniel Henrique e Izabella Lourença

Por que os jogos digitais instauram um novo tipo de letramento?

Ao imergir no universo dos jogos, os jogadores vão adotar diferentes posturas. Pode haver aquele jogador que imerge no ambiente e inicialmente só está preocupado em fazer a sondagem, ou seja, em conhecer o ambiente. Dessa imersão inicial, feita para explorar o ambiente, ele precisa dar significado às imagens e à trilha sonora que aparecem. Há vários ícones e cenários que o jogador tem que aprender para alcançar os objetivos. Além do inventário, que é o lugar em que ele guarda os objetos que pega durante o jogo. Os jogos também têm um pequeno banco de dados onde se encontram vários textos, vídeos e músicas relativas à temática do jogo. Para imergir nesse universo e se defrontar com esse âmbito semiótico repleto de ícones, signos, sinais, o jogador precisa construir sentidos. É nessa perspectiva que eu falo que emerge um novo tipo de letramento, na medida em que o jogador vai se defrontar com diferentes linguagens em um único ambiente e precisa dar significado para que possa compreender o desafio do jogo, quais os objetivos a curto, médio e longo prazo, alcançar o resultado final e ter a recompensa, que é ganhar o jogo. Nesse processo, a pessoa que joga vai ter diferentes feedbacks e precisa estar preparada para ler trilhas que vão aparecer não somente de forma textual (narrada) ou auditiva (trilha sonora), mas também imagética, ou seja, a imagem do cenário, do personagem etc.

Que características a leitura adquire nesse universo?

Os dados têm comprovado que, quando os jogadores estão imersos em um ambiente interativo, especialmente em jogos, eles não gostam de muitos textos. Eles evitam, fazem críticas – não só aos jogos voltados para fins educacionais, mas aos jogos comerciais também. Então, a leitura nos jogos acaba sendo mais pontual, no sentido de ler apenas aquela informação necessária para se solucionar determinada questão. Portanto, essa leitura não é linear. O jogador vai ler de uma forma hipertextual, na medida em que precisa de uma informação. No grupo de pesquisa Comunidades Virtuais, produzimos o jogo ‘Tríade’, em que o jogador, para resolver determinadas questões, precisava de informações sobre a Revolução Francesa. Para isso, criamos um espaço dentro do jogo chamado “hipertexto”; se o jogador quisesse saber, por exemplo, sobre a tomada da Bastilha, ele ia lá e tinha um texto em forma de imagem e um texto escrito falando sobre esse evento. A leitura é livre no sentido de que o jogador pode transitar sem a necessidade de uma sequência linear. É outra forma de ler, que não descaracteriza a importância de aprender a ler de forma linear e sequencial.

De que forma os jogos potencializam o desenvolvimento de determinadas habilidades cognitivas?

Muitas vezes, para alcançar o objetivo final do jogo, é preciso trabalhar com seus pares, formar seus clãs, suas normas. Isso, principalmente para os adolescentes, contribui para desenvolver habilidades, como planejamento, tomada de decisão, antecipação e negociação. Os jogos, de maneira geral, favorecem esse desenvolvimento e seu ambiente potencializa isso, porque é preciso interagir com o outro, escutá-lo e traçar estratégias coletivamente. Mesmo os jogos que não são desenvolvidos com esse fim potencializam essas funções.

Como o professor pode trabalhar com os jogos no cotidiano dos alunos?

Quando defendemos que os jogos têm que ir para a sala de aula, não estamos defendendo que a escola vire uma Lan House, pois são práticas diferenciadas. O jogo pode estar presente na escola de diferentes formas. Um exemplo: a escola já é tensionada por esse discurso das mídias digitais, dos jogos, porque os adolescentes e as crianças trazem isso fortemente. O que nós, professores, podemos fazer é abrir espaço para que essas crianças e adolescentes falem sobre esses produtos e sobre a concepção que eles têm das narrativas que estão sendo discutidas. Ao abrir espaço para falar das questões ideológicas, éticas, étnicas, de gênero, quando você abre esse discurso, traz os jogos para a sala de aula e ajuda a construir um olhar crítico, várias questões podem emergir. Muitas vezes o aluno imerge naquele universo, mas não consegue ter uma postura crítica. Ele é seduzido pelo realismo das cenas, pela qualidade das imagens, pelo áudio, pela interação e pelo fato de ser autor e ator daquele processo. No entanto, o aluno não tem esse olhar mais crítico. O jogo Call of Duty, por exemplo, que trata da Segunda Guerra Mundial, tem uma questão ideológica séria, que é a de colocar os Estados Unidos sempre como o bonzinho. Quando o professor possibilita aos meninos do Ensino Médio que pensem como é retratado o papel dos Estados Unidos e o que aquela guerra representa, pode construir um olhar crítico. Eu acredito que, na hora em que a escola começa a escutar os alunos, a dar espaço para que eles sejam protagonistas e para que eles falem da interação com essas mídias, especialmente os jogos, ela resgata um papel importante que perdeu: um espaço lúdico, um espaço de prazer.

Que dificuldades os professores encontram para inserir os jogos em sala de aula? E como podem enfrentá-las?

A infraestrutura é uma dificuldade para a interação com os jogos. As escolas não têm computadores com placas de vídeo que rodem jogos em 3D [três dimensões]; há jogos que são jogados online e a conexão na rede, principalmente na escola pública, não é boa. Outra dificuldade é a segurança da rede na escola, que barra tudo que tem a ver com jogos e redes sociais; então o professor precisa ter o aval não só da direção, dos pais e dos outros colegas, mas também da segurança. Além disso, como os jogos trazem um novo letramento, o fato de o professor não estar inserido nesse universo faz com que ele tenha dificuldade de compreender a lógica própria dos jogos. O professor começa a jogar e, como não é experiente nessa área, se frustra muito rápido, porque não consegue avançar. O fato de não conseguir interagir faz com que ele não construa sentido – e, se ele não constrói sentido, não usa na sala de aula. Além disso, existe também a resistência do professor em trabalhar com a cultura digital, especialmente os jogos.

O que pode ser feito é criar espaços de formação. Em nosso grupo de pesquisa, oferecemos dois cursos de extensão ao ano. Criamos cursos de formação em que, além de ter uma reflexão teórica sobre essa interação, os professores também jogam. Só jogando o professor vai perceber se dá ou não para usar determinado jogo. O professor também pode ter um pouco mais de informação sobre o jogo que, de repente, os alunos queiram discutir, de diferentes maneiras: a partir de vídeos de jogabilidade no YouTube; em várias comunidades que falam sobre jogos; em sites especializados; e ainda consultando o site de classificação indicativa do Ministério da Justiça. Assim, o professor tem várias fontes de informação sobre os jogos que estão no imaginário da criança.

Outro elemento é que os professores, apesar de resistirem em levar os games para a escola, jogam no Facebook jogos como Criminal Case, Candy Crush e vários outros. Eles jogam no universo do Facebook porque aqueles jogos são mais fáceis e mais rápidos. Se os professores estão jogando, também podem trabalhar e discutir esses mesmos jogos do Facebook em sala de aula. 

Continue lendo

Entrevista com Lynn Alves - parte 2